I

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O silêncio dentro daquele carro nunca tinha sido tão sufocante. Miguel nunca tinha sido o tipo de adolescente a ter vergonha do pai, fingir que ele não existia ou escapar de conversas. Em verdade, sua relação com Joaquim sempre tinha sido tão positiva que chegava a parecer coisa saída de filmes. Falavam sobre tudo (ou quase tudo, como seu pai tinha descoberto poucos dias atrás), e Miguel sempre sabia que podia ir até Joaquim para alguma coisa. Tinha o melhor pai do mundo, seria o primeiro a dizer. Muita gente não tinha sua sorte.

Talvez por isso o tratamento gelado dirigido ao homem agora fizesse Miguel se sentir um pouco culpado. Não era culpa de seu pai. Se seu pai tinha algum envolvimento nisso tudo, tinha sido o de herói, e de ter defendido e ajudado o filho até o último instante. Mesmo assim, mesmo sabendo como seu pai estava do seu lado, mesmo não tendo culpa de nada, não conseguia deixar de sentir culpado e envergonhado por tudo. Não conseguia conversar com Joaquim agora, seria demais. E era justamente por não conseguir conversar com ele que, tinha certeza, o homem iria começar o diálogo.

Percebeu que estava certo quando ele puxou o freio do carro na frente da escola, mas não desbloqueou as portas. Miguel, ainda com o queixo apoiado na mão e agora encarando os portões da escola nova, forçou-se a virar o rosto para encarar o pai.

Joaquim parecia triste e preocupado. É claro que parecia, como poderia ser diferente, depois de todos os acontecimentos, e sendo Joaquim o pai atencioso que era? Apenas mais um motivo para Miguel se cobrir de culpa. Seu pai não merecia esse tipo de coisa.

— Chegamos — Joaquim disse. Miguel pegou a mochila do chão do carro e colocou a mão na trava do carro para abrir a porta e sair, mas a porta não cedeu. O carro estava trancado. — Não vai conversar com seu pai?

— O que você quer que eu diga? — Miguel respondeu, reclamando e cruzando os braços de novo. — Nossa pai, estou muuuito feliz de trocar de escola no meio do terceiro ano, mesmo não tendo tido escolha no assunto.

— Você tem sorte é de poder ir para uma escola, qualquer que seja, principalmente particular — Joaquim respondeu, coçando a barba comprida brevemente, antes de continuar. — Miguel, eu sei que você está frustrado com isso tudo, mas algumas coisas acontecem na vida da gente pro bem. Por mais que pareça o fim do mundo agora.

O adolescente revirou os olhos, apoiando o queixo na mão de novo e olhando entediado pro vidro na frente do carro. Muito fácil pro seu pai ser otimista agora. Não tinha sido ele a ser injustamente expulso da escola e ainda sair sendo piada pra todo mundo.

— Você só vai ter escola na sua vida por mais seis meses — Joaquim continuou —, você pode pegar o resto disso que tem pela frente e transformar em uma boa experiência, ou pode ficar remoendo as coisas ruins que aconteceram na escola anterior, deixando isso te atrapalhar de aproveitar o resto do seu ano de formatura. Eu já conversei com você sobre tudo o que aconteceu, e você sabe que eu não me importo com nada disso. Então talvez você não devesse se importar também.

Fácil falar. Ele não era um adolescente na adorada selva do Ensino Médio, onde todo mundo parecia existir para te comer vivo e jogar os ossos pra algum cachorro roer. Se Joaquim tinha algo mais a dizer, resolveu guardar para si, e percebendo que Miguel mesmo não diria nada, finalmente destrancou o carro.

— Tchau — Miguel resmungou, puxando a mochila e saindo do carro com um salto, antes que o pai decidisse falar mais alguma coisa.

Embora estivesse desesperado para sair do carro, não se sentia ansioso para entrar na escola. Ele suspirou, arrastando os pés pela rua e entrando dentro do prédio desconhecido, desejando poder estar em outro lugar. Não, poder estar no lugar antigo. Sua velha escola. Era um pensamento idiota depois de tudo vivenciado por lá, e sabia disso. Seu pai tinha razão quando tinha dito sobre ele mesmo o ia tirar da escola, mesmo se não tivesse sido expulso, só pelo absurdo da situação. Mas, mesmo assim, Miguel não conseguia deixar de sentir uma certa... nostalgia. Ou saudade. Ou as duas coisas. Ou quem sabe as duas coisas fossem a mesma coisa, não saberia dizer. Nunca tinha sido um dos melhores alunos em português e literatura.

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