XII

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Depois de ter tido aquele breve desentendimento com Pedro, nunca mais tinham tocado no assunto. Tudo voltou ao normal muito rápido tendo os dois reconhecido como tinham pisado fora da linha em suas falas. Arthur tinha feito apenas mais um comentário desagradável depois daquela ocasião, e Zé Dois foi tão rápido em literalmente puxar a orelha do amigo que Arthur acabou se calando.

Agora era sábado, e já fazia muito tempo que o silêncio imperava dentro da casa de Miguel. Ele e seu pai nunca tinham sido o tipo de falar muito, preferindo a companhia um do outro assistindo um jogo de futebol sem falarem demais a não ser para comentar jogadas ou arbitragem. Mas não sentimentos. Não costumavam falar desse tipo de coisa justamente por nunca ter acontecido nada sentimental na vida de nenhum dos dois, mas agora a situação tinha mudado. Miguel não sabia muito bem como lidar com ela e, a julgar pela cara de seu pai sentado do outro lado da mesa da cozinha, parecendo mais perdido que cego em tiroteio, ele também não sabia.

— Então. Esse garoto — Joaquim começou, as mãos cruzadas sobre a mesa como se quisesse parecer sério e imponente, mas Miguel via o jeito como ele estava batucando o polegar na mão e balançando a perna sob a mesa.

— Lucas.

— Isso. Lucas. Vocês estão...

— Não sei. A gente... A gente só se beijou uma vez — Miguel respondeu, sentindo o rosto ficar muito vermelho depois. Não esperava ter de falar dessas coisas com seu pai, e já seria vergonhoso demais se fosse sobre uma garota. Desse jeito, então... — É que eu não quero ir pra rua com ele, e a gente não pode ir na casa dele.

— Sim. Eu entendi filho, tá tudo bem.

E pela entonação da voz dele, Miguel sabia, realmente estava. Por mais nervoso e confuso que seu pai estivesse, era apenas estranheza pela situação. Não era nenhum tipo de problema, e isso Miguel conseguia entender muito bem. Ele mesmo estava achando tudo estranho.

— Ele tá um pouco atrasado — Joaquim comentou, conferindo o relógio.

"Um pouco" era eufemismo. Tinham marcado sábado de manhã, e já se aproximava muito da hora do almoço. Miguel estava com fome, já, e até tinha recebido a mensagem de Lucas avisando do atraso mas mesmo assim ficava um pouco ansioso. E se ele não viesse? Talvez tivesse mudado de ideia e não tivesse coragem de falar?

Não, Lucas não era esse tipo de pessoa. Estava sendo paranoico. Ele já devia estar chegando. Não ia dar um cano assim sem nem avisar.

— E esse "Lucas", o pai dele não sabe?

— Não — Miguel respondeu, na mesma hora. Já tinha mencionado isso com seu pai umas tantas vezes, mas se precisasse repetir mais vinte, repetiria, porque era o pai de Lucas o trazendo ali e não podia correr nenhum risco desnecessário. — Papai, o pai do Lucas não faz ideia, vai trazer ele aí e tem de continuar sem saber, entendeu? Lucas está vindo...

— ...ver o jogo do brasileirão com você e jogar video-game. Sim. Eu sei. Não é nem mentira, é?

Provavelmente não era. Quando pensava no que ele e Lucas estariam fazendo o fim-de-semana inteiro, eram esses os gostos em comum dos quais se lembrava mais rápido. Mas qualquer outra coisa poderia acabar acontecendo. Às vezes achariam um filme pra ver, ou iam jogar cartas. Não fazia ideia.

— E ele vai dormir no sofá, entendeu? — Joaquim ressaltou. — Não é porque é menino que vou mudar as regras aqui de casa.

— Sim pai, eu sei. E não vou deixar ele dormir no sofá, ele fica com a minha cama. No sofá durmo eu.

Miguel teve a impressão de ver seu pai abrir um pequeno sorriso com aquela frase. Bem, não era sua culpa ter sido acometido por um surto de cavalheirismo, mas não ia deixar Lucas dormindo no sofá, ele era visita. Queria que o garoto gostasse da estadia ali.

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