II

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— Ei! Você joga?

Era intervalo, no quinto-dia de tortura de Miguel na escola nova. Desde o começo da semana as coisas não tinham melhorado muito sob sua ótica. Ainda era o assunto do momento, Pedro e Arthur continuavam o circulando — ótimo quando era Pedro, um saco quando Arthur estava junto com ele — e ele continuava com matéria atrasada para por em dia, o que tinha se tornado um trabalho tão estressante faltando poucos meses para o vestibular que agora o fazia até no intervalo.

Como naquele momento. Agora, Miguel rabiscava uma análise de um livro que não tinha lido, tentando pegar o resumo dele na internet para se virar. Sentia-se tão cansado de ver trechos de Machado de Assis, até a presença de Arthur seria bem-vinda naquele momento. Foi mais ou menos quando ouviu alguém o chamando, e levantou a cabeça de uma vez, procurando quem o tinha chamado e qual seria o propósito.

Pedro estava parado na frente dele, jogando uma bola de futebol de uma mão para a outra, distraído. Arthur estava ao lado, bem como praticamente todos os garotos da sala. A resposta para a pergunta, se Miguel jogava futebol, era um grande e sonoro sim, acompanhado de um sorriso largo e uma empolgação instantânea pelo assunto. Era, como tantos outros brasileiros, apaixonado pelo esporte, e costumava ir para o estádio com seu pai sempre que seu time jogava na cidade. Ultimamente, estudando tanto para o vestibular, tinha perdido alguns jogos no estádio, mas não abria mão de ligar a televisão e deixar a partida passando enquanto fazia alguma lição.

— Eu jogo — respondeu, com bem menos empolgação do que seria o seu comum. — Mas não posso agora, quero terminar essa análise antes da aula de literatura.

— Ah, não é pra agora — Pedro respondeu, sentando-se na mesa de Arthur e colocando a bola no colo. — Aqui na escola a gente tem um torneio informal entre as salas, costumamos fazer os jogos sexta depois da aula. Seria hoje. E, bem, a gente poderia usar um reforço, temos apanhado feio dos outros times. Você joga onde?

— Meio.

Miguel não queria ter se interessado tanto pela proposta, precisava estudar e estava tentando não se envolver muito com ninguém. Seu plano era passar sem impactos pelo resto do ano, deixar a escola e não precisar pensar no seu Ensino Médio nunca mais, mas não precisava ser uma tortura tão absoluta, precisava? Uma partidinha de futebol na quadra em algumas sextas-feiras não faria mal a ninguém.

— Ok, eu tenho interesse — respondeu, enfim. — Mas pra participar preciso terminar essa análise aqui antes do intervalo terminar, então...

— Ah, claro, claro — Pedro desceu da mesa com um sorriso satisfeito, meio abraçando a bola e meio se apoiando na mesa de Arthur. Ele tinha um jeito galante de se portar, que definitivamente era... único. — Beleza. Hoje não tem jogo da nossa sala, mas a gente pode bater uma pelada de uns dez minutinhos se for o caso só pra gente ver como você encaixa no time. Topa?

O que estava fazendo? Ia contra tudo o que vinha planejando de não se envolver com ninguém, não confiar nas pessoas... Pedro e Arthur já estavam por perto tempo demais, e eles pareciam legais, principalmente Pedro, mesmo Arthur sendo claramente um tanto sem noção. Reconhecia aquela sensação na boca do estômago, aquele sentimento sussurrando "é só falar que sim, que mal tem? Ele parece legal".

Devia ter falado que não. Devia mesmo. Mas no fim das contas, a vontade venceu a razão, como já era comum para si. E ali estava esse traço, mais uma vez.

— Beleza. Na quadra do meio mesmo?

— É! Vou deixar você terminar a análise. E uma dica, já que você tá caçando resumo do livro na internet, se você ver a mesma coisa comentada em mais de três resumos e parecer uma conclusão à qual você não chegaria sozinho, não coloca. A Ludislene já decorou quase tudo quanto é resumo e análise de internet e se ela achar que você usou, ela tira ponto sem medo.

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