XVII

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O teatro costumava ser uma experiência muito relaxante para Miguel. Tinha começado, anos atrás, por sugestão de uma professora para poder melhorar sua oratória em público — tinha um problema e tanto com isso aos onze anos de idade — e tinha dado muito certo, além de se mostrar um passatempo muito divertido para ele. No entanto, mesmo o teatro estava sendo incapaz de acalmá-lo nos últimos dias.

A situação com Lucas continuava na mesma. Ele não queria conversar com nenhum deles por períodos extensos de tempo, e muito raramente o pegavam para trocar palavras breves no corredor, nem que apenas para saber como estavam as coisas. A resposta geralmente era algo na linha de "na mesma coisa", e vinham deixando a situação permanecer assim nas últimas semanas, afinal, as provas de vestibular estavam acontecendo, e não queriam estressar Lucas com nada.

Miguel já tinha feito umas duas provas de universidades particulares nas últimas semanas, mas era no fim de semana de agora que a situação ia ficar realmente séria com o tal do ENEM. Talvez, pensou, fosse esse o motivo de todo seu nervosismo. Não que não estivesse preocupado com Lucas, pois estava, o tempo todo, mas aquele aperto no estômago era coisa nova da semana atual.

Marisa tinha percebido isso. Miguel não era o único terceiranista do grupo, cujos integrantes variavam dos catorze aos dezoito anos, e havia um certo ar de nervosismo no local. Então ela decidiu usar aquele dia para meditarem.

E, portanto, ali estava Miguel, deitado no escuro de olhos fechados ouvindo uma meditação guiada de Marisa e falhando em simplesmente desligar a mente como ela queria que ele fizesse. Raios, a quem queria enganar... ENEM era péssimo, mas era sim Lucas corroendo sua consciência daquele jeito. Estava preocupado com ele. Importava-se muito com o garoto, e as últimas semanas vinham sendo como assistir um acidente de carro sem poder fazer nada para impedir. Conhecia o caminho o qual Lucas estava trilhando, e queria tirar ele de lá. Precisava tirar. Sabia o quão danoso esse caminho poderia ser. Mas... como?

A aula veio e se foi, e Miguel não encontrou nenhuma resposta. Depois de todos serem dispensados, ele ficou ali, no chão da sala, em silêncio, encarando a mochila jogada contra a parede e pensando ainda no que deveria fazer. Ou sequer se deveria fazer. A possibilidade de estragar tudo tentando ajudar existia, sabia disso, mas era incapaz de medí-la ou tomar uma decisão segura quanto a isso também.

— Você parece muito nervoso — Marisa comentou, quando estavam apenas os dois na sala. — Te vi inquieto a aula inteira. Quer falar sobre o que está sentindo?

Miguel levantou o rosto para ela, sem saber o que responder. Já tinha aprendido que guardar e suprimir seus sentimentos não era caminho para coisa nenhuma, mas também não conseguia se imaginar desabafando suas preocupações românticas com a professora de teatro. Ele franziu a testa, abaixando a cabeça por um instante, sem saber o que dizer.

A resposta dela foi se sentar no chão à frente dele, apoiando os cotovelos nas pernas e esperando por um instante. Miguel continuou sem saber o que dizer, então ela falou.

— Eu sei que isso é assustador. Vocês jovens sentem um peso enorme para passar nessa prova, mas é só uma prova, ok? Ela não define o seu valor.

Miguel sabia disso. Não estava querendo um dos cursos mais concorridos de todos, então não vinha se cobrando tanto, embora estivesse estudando o suficiente para dar o seu melhor. Não, sua preocupação era outra.

— Não é isso... — ele comentou, decidindo que talvez precisasse exatamente de uma perspectiva externa para fazer algo. Seu pai conhecia Lucas, já estava muito próximo de toda a situação, mas para Marisa seria mais fácil ter um olhar analítico, não é? — Eu tenho um... amigo, e... Bom, na verdade, ele é mais que um amigo meu e... O pai dele descobriu, e as coisas estão péssimas agora e... E... Eu só quero ajudar, mas não sei se tentar ajudar vai acabar atrapalhando mais, e nem se eu devo tentar fazer alguma coisa já que é minha culpa também. Eu não sei...

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