XVIII

2.2K 307 357
                                    

"...passe a faixa de baixo por cima, dando uma volta completa e mantendo os dedos dentro do anel formado..."

Miguel segurou a faixa de baixo da gravata, dando a volta como o vídeo indicava e se perdendo no segundo seguinte. Ele suspirou, frustrado, voltando o vídeo para o começo e desfazendo o nó complicado — e errado — em seu pescoço. Não fazia a menor ideia de como se amarrar uma gravata, e seu pai tinha amarrado para ele no dia da festa de Pedro, o que o fez pensar se não era uma habilidade a qual deveria conquistar sozinho. Em outra vida, talvez sua mãe tivesse o ensinado a fazer isso, mas já faziam dezesseis anos desde a morte da mulher, algo com o qual Miguel tinha vivido muito bem. Sequer se lembrava dela para sentir falta, embora se perguntasse às vezes como seria ter uma mãe por perto.

Com certeza tornaria nós de gravatas mais fáceis. Ele desistiu depois de tentar pela sétima vez e guardou o celular no bolso, caminhando até a porta do quarto do pai. Iria se dedicar a aprender isso, mas outro dia. Não queria arriscar aparecer todo desajeitado na festa logo agora quando queria muito causar uma boa impressão em Lucas. Bateu na porta, enrolando a gravata no dedo distraído, até seu pai abrir para ele.

Miguel esboçou um sorriso amarelo conformado, erguendo a gravata um pouco amassada para mostrar ao pai e o gesto bastou para deixar claro que tinha falhado em sua tarefa. Joaquim respondeu com um sorriso também, afastando-se da porta para o filho entrar e pegando a gravata da mão dele.

— Está com tudo planejado para hoje? — Joaquim perguntou, passando a gravata pelo pescoço do filho e começando o nó.

— Em tese, sim. Mas... Hm... Eu não sei, ainda estou muito nervoso.

— Você precisa lembrar do que conversamos no dia que você comentou isso comigo. Eu acho muito bonito que queira ajudar o garoto dessa forma, mas você é meu filho e o mais importante pra mim sempre vai ser o seu conforto e a sua segurança. Isso é algo que você está confortável fazendo?

Miguel ainda não sabia dizer. Saber que seu pai não iria o incentivar a fazer um ato heróico contra seu próprio conforto o dava uma sensação de segurança muito poderosa. Ironicamente, era bem o que precisava para se sentir mais motivado a seguir em frente com o seu planejamento.

— Confortável não é a palavra que eu usaria. Mas... É um desconforto que vale à pena. Entende?

Joaquim terminou o nó, ajeitando a gravata de Miguel e o paletó.

— Então, eu espero que dê tudo certo. Mas se não der, me avisa, e voltamos na hora, combinado?

Era uma boa ideia. Miguel afirmou, abraçando o pai brevemente, em agradecimento, e os dois seguiram em direção ao carro. A festa aconteceria em um salão na cidade com capacidade para algumas dezenas de pessoas. Os dois acabaram chegando um pouco atrasados graças à insistência de Miguel em tentar aprender a dar o nó na gravata na hora de sair, mas não fazia mal. Era um atraso pequeno, o suficiente para Miguel mandar uma mensagem para Clara e descobrir que ela tinha acabado de chegar.

— É, está na hora — ele respondeu, guardando o telefone e respirando fundo.

— Você tem certeza...

— Absoluta. Vamos.

Miguel sabia que se pensasse demais, acabaria não fazendo o planejado, e não queria sequer se dar a chance de mudar de ideia. Ele desceu do carro, seguindo o pai para dentro do salão e ajeitando o paletó e a gravata no caminho.

O lugar já estava bem cheio. Miguel correu os olhos pelas mesas, e não demorou até encontrar seus amigos, em uma das mesas mais afastadas no canto da festa, como tinham combinado. Clara ao lado de Pedro, ambos ladeados por seus pais; Arthur e Zé Dois do outro lado, também com pai e mãe os acompanhando. Haviam ainda cinco cadeiras vagas na mesa, duas para ele e Joaquim, as demais para Lucas com seus pais — se tudo corresse como planejado.

Tempos ModernosOnde histórias criam vida. Descubra agora