O Galo

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Acordei de repente com um barulho esquisito. Olhei pra janela e vi o dia nascendo. Outra vez o barulho. Quase morro de susto: era um canto de galo; e ali bem perto de mim. Olhei minhas irmãs. Elas continuavam dormindo igualzinho, nem tinham ouvido canto nenhum. Espiei debaixo da cama, atrás da cadeira, dentro do armário - nada. Mas aí o galo cantou muito aflito: um canto assim de gente que tá presa e quer sair. "Tá dentro da bolsa amarela!" Abri a bolsa correndo. O galo saiu lá de dentro.

- Puxa, se você não abre essa bolsa eu morria sufocado. Tinha pedido pro fecho ficar meio

aberto pra eu poder respirar, mas ele acabou dormindo e fechou. - Voou pra janela, aterrissou na beirada, e ficou respirando fundo. Eu estava de boca aberta: nunca tinha visto um galo usando máscara. E ele usava. Preta. Tapando a cara todinha. Só dois furos pros olhos. Ele andou de um lado pro outro na beirada da janela.

Eu fiquei pensando quando é que eu tinha visto alguém andar bonito assim. Ele abriu as asas e voou pra junto da bolsa. Achei melhor fingir que nem tinha visto: ele podia ler no meu

olho que eu tinha vidrado no vôo e aí ficar prosa demais. As penas do corpo dele brilhavam

que nem o fecho; a gente usa anel no dedo mas ele usava na perna e usava dois: um azul e outro vermelho. Foi quando eu olhei pros anéis que de repente me assustei: "Ué, como é que pode?!" O rabo do galo era a coisa mais genial que eu já vi, porque de repente dava um troço nas penas, e em vez delas ficarem certinhas que nem no resto do corpo, elas ficavam com uma cara zangada, se arrepiavam, mudavam de cor (tinha pena vermelha, marrom, laranja,

dourada, tinha até uma peninha branca não sei se de idade ou de bossa), e cada movimento

que o galo fazia, elas todas se sacudiam, parecia até que elas tavam sambando, e quando ele

parava, elas ainda ficavam dançando.

Quanto mais eu olhava pras penas, mais eu me assustava: "Puxa mas como é que pode?!"

Até que não resisti mais e falei:

- Sabe? Você é tão parecido com um galo que eu conheço, mas tão parecido mesmo... Ele tirou a máscara e olhou pra mim. Parecido coisa nenhuma. Era ele mesmo. O Rei. O galo do romance que eu tinha inventado.

- O que é que você tá fazendo aqui?!

- Psiu! Fala baixo, tô fugido.

- Isso eu sei, ué, fui eu que fiz você fugir do galinheiro.

- Mas a questão é que eles me pegaram.

- Não brinca!

Me levaram de volta. Pra tomar conta daquelas galinhas todas outra vez.

- Ai

- Você não sabia?

- Não. O meu romance acabava no dia que você fugia. Foi até aí que eu inventei você.

- Pois é. Mas aí eu fiquei inventado e tive que resolver o que é que eu ia fazer da minha vida. Pensei pra burro. Acabei resolvendo que ia lutar pelas minhas idéias.

Achei aquilo tão bacana! Na escola, quando a gente lê a vida de Tiradentes e desse pessoal

importante, vem sempre Essa frase junto: "homens que lutaram por suas idéias".

- Que legal, Rei. E você lutou?

- Não. Foi só resolver lutar que eles me levaram de volta pro galinheiro. Então eu chamei as minhas quinze galinhas e pedi, por favor, pra elas me ajudarem. Expliquei que vivia muito

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