História de um galo de briga e de um carretel de linha forte

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Eu tinha dito que nunca mais na vida, até ser grande, eu escrevia outro romance. Mas aquele negócio que aconteceu com o Terrível me deixou tão - sei lá - tão diferente, que eu não parava mais de pensar nele. Quando eu vi já estava escrevendo uma história contando tudo que eu acho que aconteceu no duro. Porque eu tenho certeza que a Guarda-chuva não viu direito. Vou copiar aqui o que eu escrevi:

"Assim que ele nasceu resolveram que ele ia ser um galo de briga tão brigão, tão ganhador de todo o mundo, tão terrível, que o melhor era ele se chamar Terrível de uma vez e pronto.

Porque no galinheiro onde ele morava era assim mesmo mal os pintinhos nasciam, os donos do galinheiro já resolviam o que é que cada um ia ser:

- Você vai botar ovo.

- Você vai ser tomador-de-conta-de-galinha.

- Você vai ser galo de briga.

- Você vai pra panela.

E não adiantava nada os pintinhos quererem ser outra coisa: os donos é que resolviam tudo, e quem não gostou que gostasse.

Terrível tinha um primo chamado Afonso. Os dois eram enturmados que só vendo, batiam cada papo bom mesmo. Quando os donos viram aquilo, pronto: separaram os dois. E disseram:

- Galo de briga não pode gostar de ninguém. Galo de briga só pode gostar de brigar. Terrível foi crescendo, foi crescendo, ficou grande. E os donos todo o dia treinando ele pra

brigar. Mas quanto mais treinavam o Terrível, mais o Terrível ia ficando com uma vontade danada de se apaixonar. Porque ele era assim: gostava demais de curtir a vida: O problema é que botavam ele pra brigar, e todo o mundo sabe que briga é o tipo da coisa que não combina com curtição.

Até que um dia ele se apaixonou por uma franguinha que era uma graça. E aí aconteceu

o seguinte: na hora de brigar ele começava a pensar nela; em vez de atacar o inimigo ele

desenhava no chão um coração. Os donos ficaram furiosos e trancaram o Terrível num galinheiro de parede bem alta. Não dava mais pra ele ver a namorada, não dava pra ver mais ninguém. Depois trouxeram um outro galo que também estava treinando pra ser galo de briga e deixaram os dois juntos: era pra eles brigarem bastante.

Mas o Terrível foi logo achando que o outro galo era legal, e então deu um vôo, roubou uma meia de mulher que tava pendurada no varal, rasgou um pedaço, encheu de folha de pena de tudo que encontrou, amarrou com o outro pedaço e fez uma bola. Em vez de brigar

os dois foram jogar futebol.

Foi aí que os donos disseram:

- O jeito é fazer o Terrível pensar do jeito que a gente quer que ele pense.

Mas que jeito? Bolaram, bolaram, e acabaram resolvendo que o jeito era costurar o pensamento do Terrível e só deixar de fora o pedacinho que pensava: "Eu tenho que brigar!

Eu tenho que ganhar de todo o mundo!" O resto todo sumia dentro da costura. E resolveram:

- Vamos costurar com uma linha bem forte pra não rebentar.

A LOJA DAS LINHAS era uma loja que só tinha linha. De tudo quanto é jeito e cor. Na prateleira do fundo moravam dois carretéis, que há muito tempo estavam ali, um do lado do

outro, esperando pra ser comprados. Um era carretel de linha de pesca; o outro, de linha forte. As duas linhas batiam papo até não poder mais:

- Puxa vida, ainda bem que eu nasci linha de pesca: vou viver no mar, no sol, pegando peixe, vai ser legal. Será que o meu comprador vai ter barco?

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