Na praia

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Minha semana de castigo foi ótima: escrevi à vontade - tudo que passava na minha cabeça,

e tudo que acontecia na bolsa amarela. Escrevi também pra turma da Casa dos Consertos. Os quatro me responderam logo. Cada carta boa mesmo. E eu fiquei pensando que fazia uma bruta diferença a gente ter amigo.

Minha vida foi melhorando. Eu já não inventava muita coisa, meu pessoal não ficava tão contra mim. Comecei então a achar que ser menina podia mesmo ser tão legal quanto ser garoto. E foi aí que as minhas vontades deram pra emagrecer. Emagreceram, emagreceram,

até que um dia pensei: daqui a pouco elas vão sumir.

As aulas começaram de novo. Uma noite eu sonhei que estava na praia soltando pipa. Acordei e falei pro Afonso:

- Sabe? Disseram que eu não podia soltar pipa.

- Por que?

- Falaram que era coisa de garoto.

- Ué!

- Tá vendo? Falaram que tanta coisa era coisa só pra garoto, que eu acabei até pensando que o jeito era nascer garoto. Mas agora eu sei que o jeito é outro. Vamos lá na praia soltar pipa? O Afonso topou. Comecei a juntar as coisas que precisava: linha, tesoura, um vidro de cola.

Pedi uns trocados pra minha mãe e fui na papelaria comprar umas folhas de papel, fino.

- Olha como o céu tá cinzento - o Afonso falou. - Compra papel vermelho, vai ficar um bocado bonito no meio de tanto cinza.

Comprei. Mas também comprei amarelo: tô sempre achando amarelo genial.

- Você vai precisar de bambu.

- Não vou, não senhor.

- Vai, sim senhora, você não entende de pipa.

- Entendo.

- Vai precisar, Raquel!!

- Você vai ver como eu não vou.

E não comprei nem bambu, nem ripinha, nem nada. Fomos pra Praia das Pedras. A Guarda-chuva desatou a falar. Tão depressa que até se engasgou. E aí foi falando engasgado

até chegar na praia. Quando ela acabou, o Afonso tava vibrando:

- Tá vendo, Raquel? não é à toa que eu gosto da Guarda-chuva: ela tem idéias. Sabe o que é

que ela me disse? Que eu não preciso mais ter medo de voar alto. Ela vai junto comigo, e se eu caio, ela dá uma de pára-quedas; e se eu caio de novo, ela dá outra; e assim toda a vida.

Ela falou que chegou a hora da gente sair pelo mundo lutando pela minha idéia, chegou a hora de começar a vida de pára-quedas! - Pulou pra fora da bolsa, ajudou a Guarda-chuva a saltar, e cantou em altos brados o tal do "Achei, tá achado, não A Guarda-chuva desengasgou e ficou pulando pra cá, pra lá, abrindo, fechando, não sossegava. Qualquer um

via logo que ela estava na maior aflição pra começar vida nova, pra subir de uma vez lá pro céu.

Fiquei parada. Sem saber se tava triste ou contente. Eles indo embora a bolsa amarela ficava muito mais fácil de carregar, mas... sei lá. Olhei o mar pra ver se via o barco que levou o Terrível. Mas o mar tava vazio que nem a praia.

De repente, o Afonso ficou nervoso. Olhava o céu, abria as asas, dava um voinho à toa. Ria

amarelo e explicava:

- Tô esquentando. - E dava outro voinho de nada. Ficou assim tanto tempo que a Guarda- chuva acabou reclamando. Ele então botou a máscara e falou:

A Bolsa AmarelaOnde histórias criam vida. Descubra agora