Como ninguém conhece o Alfinete de Fralda muito bem, eu acho melhor contar a história
dele antes de continuar contando a minha:
Um dia eu ia passando e vi o Alfinete caído na rua. Peguei, limpei, desenferrujei, experimentei a pontinha dele no meu dedo, vi que ela era afiada toda a vida: - Puxa!
E ela começou a riscar na minha mão tudo que o Alfinete queria dizer:
- Me guarda? Já não agüento mais viver aqui jogado: passa gente em cima de mim; chove,
eu fico todo molhado, pego cada ferrugem medonha; e cada vez que varrem a rua eu esfrio:
"pronto! vão achar que eu não sirvo mais pra nada, vão me levar no caminhão do lixo"; me encolho todo pra vassoura não me ver; e depois que ela passa, e depois que o susto passa,
eu risco na calçada um anúncio de mim dizendo que eu sirvo sim; mas nunca acontece nada.
Me guarda?
- Guardo.
- Então guarda.
Guardei. No bolso do uniforme (ainda não tinha a bolsa amarela).E perguntei:
- O que é que você fazia antes?
A pontinha foi riscando na fazenda:
- Não cheguei a fazer nada.
- Ué.
- Saí da fábrica muito mal embrulhado, vim caindo pelo caminho, me agarrando nos outros
pra ver se me agüentava, acabei não me agüentando: caí aqui.
- E não levantou mais?
- Cada vez que eu levantava, passavam em cima de mim.
- Mas nunca ninguém te viu?
- Quando me viram eu já tava todo enferrujado e ninguém mais me quis.
- E depois?
- Nada.
- Não aconteceu mais nada na tua vida?
- Não.
- Que história curtinha que você tem.
- Pois é.
- Você não queria ter uma história mais comprida?
- Eu não! esse pouquinho já deu tanto trabalho.
- Acha que assim chega, é?
- Acho que chega sim. E então ficou chegando.