O Almoço

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O Terrível ficou danado quando viu que estava preso. Desatou a brigar com as minhas vontades, com a Guarda-chuva, com o pessoal todo. Quanto mais a gente explicava que estava querendo salvar a vida dele, mais danado ele ficava; queria bicar todo o mundo, pulava de um lado pra outro, a bolsa dava cada pinote que SÓ vendo. Fui ficando apavorada:

daqui a pouco iam descobrir que eu carregava muita coisa esquisita dentro da bolsa amarela.

E então eu pedia pela janela:

- Ò Afonso, vê se controla a situação. Mas quem diz que ele conseguia? E aí chegou o sábado e a minha irmã falou:

- Vai te vestir, Raquel, tem almoço na casa da tia Brunilda. Bacalhoada. Eu adoro comer, só tem um prato que eu não agüento: bacalhau. Mas como o pessoal aqui de casa tá sempre paparicando a tia

Brunilda, eu sabia muito bem que na hora de dizer: "Tia Brunilda a senhora se importa se eu só como a sobremesa?", eles iam me olhar daquele jeito, e eu ia ter que acabar comendo.

Então já fui ficando meio aflita.

Calça comprida eu só tenho duas; uma boa, outra ruim; enquanto uma lava, uso a outra. A boa estava lavando, e ainda mais essa, eu pensei.

Quando fui me olhar no espelho dei de cara com uma espinha. Bem na ponta do nariz. Espremi, começou a sair uma agüinha lá de dentro; vi que tinha feito uma besteira. A campainha tocou. Abri a porta e esbarrei nos donos do Afonso.

Falaram que andavam atrás de um galo que tinha fugido do galinheiro; disseram que não sei quem tinha visto um galo na nossa casa, pediram licença pra entrar e procurar. Fiquei gelada. Enquanto eles batiam papo com a minha mãe eu corri e avisei o Afonso pra não deixar o Terrível fazer barulho. Cochichei pro fecho:

- Se quiserem te abrir você enguiça, viu?

Todo o mundo ajudou a procurar. Passaram três vezes pertinho da bolsa amarela, mas ninguém desconfiou de nada. Foram embora. E, na saída, um me disse:

- Você fica de olho pra ver se descobre o galo. Se descobrir avisa logo, tá?

- Tá. ("Espera sentado que em pé cansa.")

- Fechei a porta. Meu nariz começou a doer. Olhei no espelho e anunciei: - Não posso ir à bacalhoada: meu nariz inchou, tá doendo demais. Mandaram eu botar mercurocromo e acabar de me vestir. Quando eu abri a porta do armarinho do banheiro, um tal de mercúrio, que estava na beira da prateleira, sem tampa nem nada, desabou em cima de mim.

Só faltei morrer de raiva. Já estava quase pronta pra sair. Tinha baixado a bainha da calça, passei ela a ferro, peguei uma tinta que a minha irmã pinta o olho e pintei uma flor na minha

blusa pra ver se tapava uma mancha antiga, agora tava tudo respingado, tudo vermelho, blusa, calça, flor, até meu sapato levou um banho de mercurocromo.

Vi que o dia ia ser fogo. Botei aquele vestido xadrez que eu acho o fim; meu nariz tava o fim; eu toda estava o fim; saí de casa achando a minha vida o fim.

Mas na porta eu parei: "E se alguém abre a bolsa amarela enquanto eu tô fora? e se descobrem o Afonso lá dentro? e se o Terrível foge pra ir brigar? e se as minhas vontades saem também - crescendo, engordando, tomando conta do quarto, de tudo?" Me apavorei. O

jeito era não arriscar, era levar a bolsa comigo. Levei.

Quando o pessoal me viu carregando aquele peso; eles disseram que eu tava maluca: eu não podia ir pro almoço levando uma bolsa enorme, ridícula, de gente grande, e não sei que

A Bolsa AmarelaOnde histórias criam vida. Descubra agora