PRÓLOGO

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Olhando-me no espelho posso dizer que estou muito conservada. Ninguém acertaria a minha real idade. Eu tinha 17 anos quando fui transformada. O ano era 1764, século XVIII. Morava em Portugal com minha família até nos mudarmos para a recém capital do Brasil, Rio de Janeiro. O Brasil não era mais uma colônia de Portugal e havia muitas expedições para o seu interior em busca de minerais preciosos. Meu pai, João Queirós, era um importante joalheiro de Lisboa. Minha mãe falecera após adquirir uma doença desconhecida quando eu tinha 12 anos. Minha irmã mais velha, mesmo estando noiva, mudou-se conosco. Era apenas meu pai, Carolina e eu embarcando em outro continente.

Odiei quando cheguei ao Brasil. O clima tropical, embora mais ameno na época, foi um choque para mim, acostumada ao frio europeu. Tive uma desidratação na primeira semana, mas resisti. Sorte ou azar? Não sei. Mas o que mais me incomodava nem era tanto a temperatura brasileira, mas a saudade da minha casa e de Lisboa, onde havia recordações da minha mãe e amizades muito queridas. Também sentia falta de Michelangelo Garcia, um garoto por quem eu era apaixonada e sonhava em me casar.

Na nova vizinhança conhecemos uma rica família portuguesa, de sobrenome tradicional, os Navarro. Eles moravam no Brasil há quase um ano. O patriarca Ivan Navarro era um homem belíssimo de olhar azul intimidante e sorriso debochado. Seu tom de voz era suave, mas firme. Em pouco tempo, ele passou a frequentar a nossa casa, onde bebia, fumava e jogava com o meu pai. Eu tinha a impressão de que Ivan flertava comigo nas ocasiões em que ficávamos a sós, dirigindo-me galanteios em tom de brincadeira, mas sempre invasivos e constrangedores. Meu pai e ele eram bons amigos, então por isso nunca tive coragem de denunciar o assédio do vizinho, com receio de ser desacreditada e desmoralizada.

Leonor Navarro era a esposa de Ivan, uma mulher que parecia ter mais idade que seu marido. Sua beleza era estonteante. O rosto sem rugas e curvas pelo corpo que nem mesmo os trajes cheios de capas conseguiam esconder. Tinha elegância nata ao andar e falava com muita polidez, uma cortesia invejável. Nós nos víamos com menos frequência, mas ela sempre me cumprimentava com um sorriso no rosto, seus olhos de esmeralda a brilhar, e conversava calorosamente. Ao lado do marido era sempre séria e solícita, então eu tinha a impressão de que ela era devotamente submissa.

A única filha do casal, Isabela Navarro, devia ser mais velha que minha irmã, com 21 anos, mas era tão linda e elegante quanto a sua mãe. Eu a via raramente. Isabela não falava com a nossa família e vivia trancada em casa. Eu ouvia seus pais comentarem, como justificativa para o isolamento, que ela era tímida e de constituição frágil, sujeita a doenças, mas em uma noite, na qual acordei assustada após um pesadelo, vi Isabela pela janela do meu quarto agarrando-se a um rapaz na rua. Desde esse momento eu tinha certeza que de tímida e frágil ela não tinha nada. Na verdade, achei seu comportamento vulgar e indecoroso. Eu era muito fiel à moral e aos bons costumes.

Meus vizinhos, com seu ar de realeza e aparência de família perfeita, apesar da indiscrição flagrada de Isabela e do atrevimento do patriarca, que eu acreditava ser infiel, não tinham nada de anormal. A nossa relação era amistosa, mas um tanto distante. Eu jamais desconfiei de que eles possuíam um segrego tão sombrio e aterrorizante sobre a sua natureza. Mas tudo isso, que eu sequer questionava, caiu por terra no dia mais trágico e confuso da minha existência.

Morávamos a seis meses no Brasil quando um grupo de saqueadores invadiu e roubou a joalheria do meu pai. Para a minha infelicidade eu estava dentro dela, sozinha. Meu pai havia ido embora mais cedo, pois Carolina encontrava-se doente. Sendo filhas de um homem bem sucedido, sempre fomos incentivadas a ser independentes e administrar os negócios da família. Na ausência de um filho do sexo masculino para fazer o serviço, não era incomum que eu ou minha irmã estivesse trabalhando na joalheria. Seríamos as herdeiras do seu patrimônio algum dia.

[EM REVISÃO] - Uma História Sombria de Amor (Trilogia Entre Vampiros - LIVRO I)Onde histórias criam vida. Descubra agora