O começo de uma longa jornada

14 5 1
                                    

Kayin não havia conseguido dormir, passou a noite pensando em como seria sua primeira caçada, há muito esperava por esse momento, mas nunca imaginou que seria da forma que aconteceu.

Como não conseguia dormir, resolveu fazer os últimos preparativos da sua jornada. Ele havia deixado à beira do fosso, algumas frutas, peles e um cesto, mas ainda precisava do arco e de algumas flechas.

Quando finalmente se deu por satisfeito, os primeiros clarões, já davam sinal que o sol não demoraria aparecer. Manifa e Wambua já haviam se levantado, e terminavam os preparativos do Ritual da Caçada.

Kayin e Jafani antes de sair, seriam envoltos por um incenso de folhas secas enquanto o Ancião Gahiji, pedia proteção ao deus Jengi. Assim que Kayin chegou até a Tenda Central, Jafani e Amina já estavam lá com seus pais, assim como Fayola e Radhiya com Zuhri, toda a tribo acompanhava o Ritual, porque a passagem de um jovem, é motivo que grande festa e comemoração.

— Jovem Kayin e Jovem Jafani, se aproximem – começou o Grande Ancião – hoje vocês iniciam sua jornada como grandes Guerreiros Mandhís. Hoje vocês entrarão no domínio de Jengi, e ele dará a vocês um animal como caça.

Pegando um prato de barro com folhas secas, o Grande Ancião começa a andar em volta dos rapazes:

— Grande Jengi, espírito supremo, defensor das Terras do Norte, pedimos proteção e permissão, para que Kayin e Jafani entrem em seus domínios. Que sejais olhos deles, os ouvidos, os braços e as pernas, que os leve até a caça perfeita, que lhes dará o direito das marcas e de se sentarem com os grandes Guerreiros Mandhís.

A fumaça fazia os olhos de Kayin arderem, a todo o momento ele segurava com força a medalha que a mãe havia lhe dado.Jafani segurava para não tossir. A fumaça era forte, e parecia trazer com ela, todo o peso da responsabilidade que tinham a partir daquele momento.

— Estão prontos! — começou Wambua– já podem começar a sua jornada!

Todos da tribo gritavam e comemoravam, os guerreiros cantavam seu grito de vitória, enquanto sacudiram suas lanças, o fato de um menino virar homem era muito importante para tribo.

Agora a família tinha o direito de se despedir dos jovens, nem sempre eles voltam. Muitos já se perderam na primeira caçada, e a família não poderia os procurar caso não voltassem, pois, entenderiam que Jengi não os achou merecedor,e, portantoo, o tomou para si.

— Filho – Manifa o abraçou – sei que voltará! Então não direi adeus! Seja forte, seus antepassados estão com você – essa apontou a medalha – seu motivo é nobre.

Kayin se segurava para não chorar, não seria bom que vissem o seu futuro Chefe, chorando enquanto se despedia da família. Wambua se aproximou:

— Com caça ou sem caça, apenas volte para casa. Ele não esperava essas palavras do baba, mas mesmo que duro, seu baba ainda o amava.

Kayin abaixou e pegou seu arco e flechas, colocou os colares de semente que sua mama fez com muito carinho e aguardou Jafani se despedir da irmã.

— Amina –Jafani segurava a mão da irmã com força– Diga a Radhiya que vou pegar a caça por ela, e ela não terá que casar com Kayin.

Amina sacudiu a cabeça em confirmação, e Jafani se afastou em direção a Kayin.

— Vamos?
— Vamos!

Jafani entregou a lança que havia pegado no dia anterior de Kayin, e pôs nas costas um cesto com algumas frutas e peles.

— Isso não dará por muito tempo para nós dois – disse Jafani
— É da para perceber – Kayin olhava no cesto
— Em casa não tinha muita coisa, e não consegui coletar muitas bananas também.
— Não tem problema, eu também preparei um cesto, está escondido no fosso – Kayin sorria pro amigo, morrer de fome não parecia ser algo sensato, e eles não poderiam sair com mais de um cesto da tribo.

Kayin e Jafani chegaram ao fosso, era o horário das meninas buscarem água, então eles teriam que ficar escondidos até que fossem embora. Ficaram olhando Siyanda e Amina indo até o fosso e saindo com seus potes cheios de água, logo em seguida chegou Radhiya, Kayin teve que segurar Jafani, que queria ir falar com a amada.

— Não seja estúpido Jafani, ninguém pode nos ver!

Assim que Radhiya se foi, eles esperaram alguns minutos e deram como seguro ir até às coisas que Kayin havia escondido.

— Vamos, ter que ser rápidos, está ali, debaixo daquelas folhas.

Foi então que ele viu ela, a garota mais linda que Kayin havia visto na vida.

Ela descia pelo morro com um jarro de barro na cabeça, e sua pele reluzia o brilho do sol da savana, seus olhos eram muito grandes e mais pretos que o céu da noite africana, ela caminhava como se dançasse ao som da mais linda melodia. Kayin ficou parado, estava encantado com aquela linda visão.

O fosso não era usado somente pelos Mandhís, os Zhauês também buscavam água ali, embora não fossem inimigos, as tribos não tinham contato entre si.

— Jafani, encontrei minha esposa.
— Bateu forte com a cabeça foi? Ela é uma Zahuê, não desposamos mulheres de outras tribos.
— Pois ela será minha, eu pegarei uma caça, e irei até à tribo dela, falar com o chefe dela e a pedir em casamento.
— Você é um sonhador Kayin.

Mais meninas chegavam ao fosso, enquanto riam e conversavam, uma chegou até a garota que Kayin observava e disse:

— Ayala, seu baba te procura, pegue seu pote e suba para tribo, vamos em seguida.

Ayala levantou, pegou seu pote e se foi, Kayin a acompanhou com os olhos, até perde-la de vista. Poucos momentos depois, as outras meninas também seguiram seu caminho, e os meninos saíram da mata e foram até o esconderijo:

— Você ouviu Jafani, ela se chama Ayala, nome mais lindo não existe – Kayin retirava as folhas do esconderijo – ela é a mais bela entre todas, a terei como esposa.
— Não sonhe tão alto – Jafani agora puxava o cesto com frutas – nem se livrou de um casamento ainda, já quer meter- se em outro, e com uma mulher de outra tribo, coloque os pés no chão!

Mas Kayin tinha a certeza de Ayala seria sua, ele podia sentir no seu coração.

— Pegou tudo Jafani?
— Sim, peguei. — Então vamos, precisamos chegar até o Rio Ubangi, e de lá seguir ao norte e procurarmos um lugar para dormir.

Caminharam rumo ao norte, sem parar, Jafani em alguns momentos precisou sentar-se a sombra para descansar, enquanto Kayin parecia designado a seguir rumo ao norte sem descanso:

— Se continuar assim, vai morrer antes mesmo de chegar ao rio Kayin!
— Temos que ganhar terreno, antes do sol se pôr, senão ficaremos sem abrigo e sem água, e não quero ser comida de hienas, e ainda temos que acender uma fogueira.
— Sabe que temos dias de caçada né? — Jafani – Kayin parecia sem paciência?
— Não estamos na tribo, não temos fogo, não temos abrigo, estamos sozinhos no meio da savana, com algumas peles e meia dúzias de bananas.
— Você esta morrendo de medo né?
— Tô!

Os dois caíram na risada, era desesperador, mas estavam juntos, e isso era o que importava para os amigos, estarem juntos. Avistaram ao longe o rio Ubangi, pelo menos teriam água, e isso já era um alívio.

Procuraram um lugar seguro, em meio algumas moitas de espinhos, e se prepararam para acender uma fogueira.

Eles haviam aprendido a fazer fogueiras da maneira tradicional, com dois gravetos e um pouco de palha, essa era a menor preocupação deles.

Kayin buscou alguns galhos para fechar o abrigo, enquanto Jafani já havia acendido a fogueira e assava algumas bananas, era o primeiro dia deles, na savana, sozinhos, e amanhã começariam a grande caçada.

— Jafani! – Kayin estava deitado sobre algumas folhas – amanhã pegaremos a caça, e voltaremos para casa, não ficaremos aqui muito tempo.
— Espero que sim.
— Iremos sim, você vai ver, logo estaremos com nossa família.
— É o que eu mais quero…

Os meninos não demoraram a adormecer.. A noite passaria rápido na savana.

O Príncipe - Saga Filho da LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora