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Zoya segurou a mão de Nikolai enquanto descia da carruagem. Ele a encarava, ele sabia o quanto aquele lugar a perturbava.

Mas esse não era o momento pra ser fraca, ela deu um leve sorriso pra ele e soltou sua mão andando em direção ao monastério.

Ao entrar no monastério, um monge estava sentado perto da porta lendo um livro, um Shu, parecia estar de vigia.  Ela fez uma reverência e ele a reconheceu.

"Rainha Zoya," ele disse enquanto se levantava e fazia uma reverência.

"Vim visitar a árvore," ela disse enquanto ajeitava o seu casaco, aquele lugar era muito frio.

"Fique à vontade, minha senhora," ele disse e voltou para sua atividade.

Ela olhou pra majestosa árvore. A prisão eterna e agonizante de Aleksander. Ela observa que a impressão da mão dele ainda estava no tronco enquanto se aproxima.

Zoya se ajoelha na frente da árvore e coloca uma mão sobre o tronco, respira fundo e deixa que o dragão assuma seus sentidos.

Um turbilhão de emoções invade seu corpo, a agonia, uma dor tão intensa que parecia que o seu corpo estava sendo esmagado. Sentiu como se estivessem tirando o ar de seus pulmões e o seu corpo estivesse queimando em um fogo constante. E no meio de tudo isso, a solidão e o escuro. Ela estava conectada com a mente do Darkling.

"Aleksander," ela chamou, mas seus lábios não se moveram.

"Veio rir do meu sofrimento, Zoya?" disse uma voz dentro da sua cabeça, uma voz fria, sarcástica, mas ainda assim cheia de dor.

Ela não tinha tempo a perder. "Eu consigo ver suas memórias."

Ele não respondeu.

"Desde aquele dia, eu sonho com as suas memórias, eu sinto o que você sentiu. Toda vez que eu fecho os olhos, os meus sonhos são as suas lembranças," ela disse.

Ele solta um som que parece um suspiro e um sentimento de raiva e cansaço cresce dentro do Darkling. "Eu quero que você entenda uma coisa, Zoya. Eu não preciso dos seus julgamentos e das suas lições de moral, o meu castigo eterno agonizante não está de bom tamanho pra você, moi tsarista?"

"Eu vi você no lago congelado, com medo, porque foi traído por uma amiga," ela diz. "Eu vi você chorando sobre o corpo de uma moça em uma floresta, com vários soldados mortos ao redor. Eu vi você desesperado procurando Baghra durante uma invasão druskelle em uma aldeia grisha. Eu vi você nervoso quando deu o primeiro beijo com a Alina e o seu coração se iluminar quando ela ria." a cada palavra que ela profere ela percebe uma inquietação crescendo dentro dele e quando profere o nome Alina ela sente o coração dele se apertar. A impressão da mão dele no tronco se aprofunda.

"E você achava que a minha vida tinha sido diferente de tudo isso?"

"Sim," Zoya diz com toda sinceridade que consegue reunir.

"Você experimentou um pouco do que é ser eu e veio me procurar. O que você quer, Zoya?"

"Eu quero te dar a oportunidade de falar. Eu te julguei errado por muito tempo, Aleksander. Depois de ver muitas de suas lembranças, eu passei a te entender melhor. Eu quero ouvir você," ela disse e praticamente podia ver ele levantando a sobrancelha e respirando fundo.

"Eu nasci em um mundo que não me amava, Zoya. Eu não fui bem vindo desde o primeiro segundo que pisei nesse mundo," Ele pausa por alguns minutos. "Quando eu era jovem e peregrino com a minha mãe, o meu maior desejo era formar laços, ter uma amizade. Permanecer em uma cidade por tempo suficiente a ponto de saber o nome de alguém da minha idade e brincar de bola, de fazer castelos de areia ou seja lá o que as crianças andam brincando esses dias. Mas eu quase fui morto, por cinco crianças da minha idade, por causa do meu poder. Eu não as culpo, elas estavam desesperadas para aumentar o seu poder para a própria proteção, o mundo nunca foi fácil para pessoas como nós, Zoya.
E cada vez que isso acontecia, eu prometia a mim mesmo que acabaria com aquilo, que criaria um lugar seguro, um refúgio para o nosso povo, que aquele desespero cessaria. Eu prometi à minha mãe que seríamos considerados verdadeiros cidadãos de Ravka, que seríamos respeitados, honrados, valorizados pelos nossos talentos. Eu iludi o meu coração de que conseguiríamos paz pelos meios diplomáticos, que se eu fizesse um favor ao rei, ele garantiria a nossa segurança," ele suspira "Acontece que, para nós, a segurança nunca é uma opção. Tivemos alguns anos de paz, eu vi os grishas viverem tranquilos no primeiro pequeno palácio, muitos se casaram, muitos começaram a fazer planos para o futuro, as crianças grishas brincavam e criavam laços. Até o rei morrer e um dos condes usurpar a coroa de seu filho durante a madrugada," ele para como se estivesse lembrando do que aconteceu, ela sente que ele abaixa o olhar, com os olhos cheios de lágrimas. "Eles chegaram no pequeno palácio em silêncio, enquanto todos dormiam e mataram mais da metade de todos nós. Eu nunca senti tanto medo, corri até o alojamento das crianças e já havia soldados lá. Quando arrombei a porta um deles acabava de cortar a garganta de uma delas. Eu lancei o corte nos soldados e me posicionei na porta pronto para protegê-las, consegui salvar a maioria, mas seis crianças já haviam morrido, Jacen, Yan, Sophia, Katya, Julian e Lexia," ele faz mais uma pausa e respira fundo, como ele lembra o nome dessas crianças? Aquilo faz mais de 300 anos. "Eles eram infernis e sangradores, os mais velhos, eu havia os ensinado que deveriam proteger e cuidar dos indefesos, dos mais novos e eles obedeceram.
Até minha mãe aparecer junto com um grupo sobrevivente e conseguimos fugir antes que o pior acontecesse. Naquela noite, nos esgueiramos pela floresta, eu me afastei do grupo e chorei, gritei, eu não conseguia entender. Será que um dia aquela tormenta iria acabar? Quantos de nós ainda teriam que morrer por confiar nos mortais?
Eu queria ter desistido ali, acho que a maioria das pessoas deixaria tudo ali mesmo. Mas eu continuei, continuei lutando, se não eu, quem iria falar sobre aquelas pessoas que apareciam no mundo, sem noção do valor que têm, do talento que têm e sem saber como o controlar? Eu via um futuro, eu acreditava naquele futuro.
A violência continuou contra nós, Zoya. Os seres humanos inventaram os mais diferentes tipos de armas. Até eu conseguir um acordo com o rei e vencer uma guerra por ele. A gratidão dele? Enviar um exército pra me matar. Naquele dia, eu perdi alguém muito importante pra mim. Naquele dia, a dobra foi criada. Eu decidi que deveríamos pagar a violência deles na mesma moeda.
Eu não peço que me entenda. Não peço que ninguém me entenda. Ninguém sabe o que é viver por tanto tempo e perder tantas pessoas pela mesma causa. E não me arrependo do que fiz, se eu não tivesse feito tudo isso, você não estaria aqui, você, sankta Zoya, não seria rainha. O pequeno palácio não existiria e nós, grishas, continuaríamos vivendo com medo, nos escondendo na escuridão e sendo mortos por sermos quem somos. Eu fiz uma marca no mundo antes de deixá-lo, cabe a você entender as consequências dela.
Eu sei que a história deve culpar alguém, mas nunca será aquele que a está escrevendo, certo? Eu estou aqui, segurando os eixos do mundo. Eu estava lá, durante séculos, mudando o mundo. Mas não sou eu quem vai escrever a história."

Eles ficam em silêncio durante um longo momento.

"Eu reconheço seus atos, Aleksander. Você não será esquecido." Zoya diz quase em um sussurro, ela não era boa com palavras, mas entendia cada palavra que ele havia dito, e admiração pela pessoa que ele era havia nascido em seu coração.

Ele suspira. "Eu queria pedir uma coisa," ele diz e ela espera ele terminar. "Quero que leve uma mensagem minha à Alina."

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