Capítulo 1 - A melodia da guitarra

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  Nove anos depois. Tenório, 2 de fevereiro de 2007, 11:50.

— Ainda faltam dez minutos para o sinal tocar, terminem a atividade em vez de conversar, não se esqueçam de que cada questão dessa vale pontos para a nota final da unidade. — Boa parte da turma estava concentrada em responder às questões, outros estavam apenas em ler, foi o tempo necessário para o sinal tocar e todos guardarem seus materiais.

— Bom final de semana, turma, quem terminou a atividade pode me mostrar segunda-feira, quem não conseguiu então termina em casa. Se lembrem de não voltarem burros. — A voz seca e arrastada da professora se despedia dos alunos sem ao menos olhá-los.

— Ainda bem que essa droga acabou, já não aguentava mais ouvir a voz dela. — exclamou Caio, que agora guardava seu único caderno.

— Fica quieto, não faz diferença para você, nunca faz nada que ela pede. — Retrucou sua amiga Lílian, que agora estava com as bolsas nas costas, pronta para sair da sala.

— Vamos? — A voz suave e doce de Alana invadiu os ouvidos dos dois amigos, que responderam positivamente.

Todos os alunos saíram da sala, deixando a professora sozinha arrumando alguns papéis em sua escrivaninha. Todos os alunos da escola se encontravam no corredor principal, alguns estavam se cumprimentando e outros passavam conversando. Caio, Lílian e Alana esperavam por alguém e não demorou muito quando uma voz mais grossa falou.

— Demorei? — O garoto contornou todos até ficar frente a frente com os amigos. Rael era de outra turma, o mais velho dos três amigos, era um adolescente alto, de aspecto tímido e cabelos bagunçados.

— Não, na verdade, saímos agora da aula. — Respondeu Lílian, que deu o primeiro passo em direção à saída do corredor e que consequentemente impulsionou que todos fizessem o mesmo.

Ao chegarem no portão de entrada da escola, um carro de cor prata buzinou e Lílian se despediu de todos ao entrar, seu cabelo cacheado com mechas loiras ficou visível pela janela, seu olhar triste não escondia a decepção de não poder pernoitar com seus amigos, então se despediu com um aceno.

— Então, já que ela teve que ir à igreja e não irá em sua casa hoje à noite, continua de pé o filme? — Caio quebrava o silêncio enquanto andavam pelas ruas e observavam vários outros alunos largando de suas escolas.

— Claro, levem o que foi combinado e cheguem às 8 horas. — Respondeu tranquilamente Rael.

— Já sabem que filme vai ser? — Disse Alana após perceber estar com os pensamentos longe do assunto dos amigos.

— Ainda não, podemos ver isso na hora. — Respondeu Rael.

Alguns momentos se passaram até os garotos perceberem ela cabisbaixa. — Está tudo bem, Alana? Você parece um pouco preocupada.

— Ah! Está tudo bem, Caio, é... amanhã é aniversário do meu pai e ele está mais preocupado em fazer rondas por essa cidade que não tem crimes graves há anos do que em aceitar passar um dia todo comigo. — Sua voz passava uma sensação de tristeza e choro.

— Não se preocupe Alana, hoje à noite vai ser divertido, sei ser difícil para você, mas tentaremos te alegrar. — Caio correu até o lado esquerdo e a abraçou carinhosamente e por algum motivo, Rael não disse nada, nenhuma palavra de apoio, apenas um olhar seco para o chão.

Alguns minutos se passaram até que todos se despediram e pegaram caminhos diferentes para suas casas.

Ao chegar, Rael adentrou sua casa e logo tomou banho, almoçou como de costume com sua mãe, que perguntou como foi na escola. Ele avisou que seus amigos passariam a noite no quarto dele e que logo cedo iriam embora. Ela concordou e ele se dirigiu ao seu quarto no primeiro andar da casa.

Passava das sete e meia, Rael estava debruçado em seu sofá assistindo uma novela qualquer, na tentativa de que a hora passasse mais rápido. Sua mãe agora estava ao telefone e parecia discutir com alguém sobre a pensão estar atrasada, mas o seu tom de rigidez logo passou quando a campainha tocou.

— Chega! Tem alguém chamando e com certeza tem algo mais importante para me falar. Ela tentou manter a calma até se encaminhar para a porta que estava mais próxima de Rael, mas o garoto não levantou.

— Tia Jane, como vai? — A voz que agora estava alta e com vida era de Alana, que havia chegado mesmo antes das oito. Ela encontrou os olhos de Jane, que parecia segurar uma grande raiva em suas órbitas escuras, o seu sorriso alinhado e forçado dava a impressão de uma falsa recepção ao seu rosto.

— Olá, mocinha, estou bem e você, como está? — Seu cabelo bagunçado estava em uma tentativa de nó, na intenção de esconder seu rosto.

— Estou bem graças a Deus. — Disse sorridente.

— Vamos, fique à vontade, Rael está esperando ali no sofá.

— Obrigada! — Jane agora percebeu que Alana trazia uma sacola que ela chutou, dizendo pelo cheiro que havia um bolo lá dentro. Ambas passaram pelo terraço e entraram na sala. Rael agora estava mais comportado e parecia ter ouvido as boas-vindas.

— Fique à vontade e divirta-se, agora vou para meu quarto assistir ao restante da novela. Jane sorriu e saiu em direção ao segundo andar e desapareceu de vista quando entrou em seu quarto.

Alana já conhecia bem a casa de Rael, pois ela, Rael, Lílian e Caio sempre faziam "a noite do terror" já que era assim que chamavam. Tudo estava do mesmo jeito, a sala continuava grande e aconchegante, e dava entrada para cozinha também espaçosa, as cerâmicas pretas davam um aspecto diferente de uma cozinha habitual, Alana até imaginava o quão era difícil procurar o interruptor durante a noite, mais a fundo uma porta à direita que ela supôs ser do banheiro, pois nunca entrou lá, e ao lado de um grande armário branco, a porta dos fundos. Na parte de cima, se concentravam três quartos, o do Rael, o da sua mãe e um que foi de seu irmão mais velho que havia se mudado para outra cidade.

— Eu nem tomei café ainda, só espero que o Caio não se atrase como mês passado, esse bolo me deu água na boca o caminho inteiro. — Rael abriu um longo sorriso ao ouvir essas palavras e enquanto ouvia a barriga de Alana dar sinal de vida.

— Acabei de mandar mensagem para ele, ele disse que já está chegando, podemos ir subindo. — Ela concordou e ambos subiram as escadas. — Vai indo na frente, esqueci de ir à cozinha.

Ela continuou seu caminho e Rael foi até a geladeira, de onde retirou um refrigerante que estava estalando de tão gelado. Ele pegou três copos de vidro, três colheres e pratos e voltou ao quarto com muito sacrifício. Ao entrar, observou Alana de pé segurando sua guitarra, tentando produzir algum som, mas não saía nada regular.

— Queria saber tocar — retrucou ela. — Você ainda vai tocar no próximo trabalho da professora?

— Sim, sim, treinei pouco com o restante da banda, penso que pagaremos mico para a escola toda.

— Por quê? Não conseguiram ensaiar muito?

— Só um pouco — disse ele desanimado.

— Pode me mostrar um pedaço da letra e como está? — Perguntou com curiosidade, pois pensava que ele iria recusar.

— Claro, só não vale rir — Ele se encaminhou até o lado do seu guarda-roupa e pegou seu amplificador, colocou no interruptor e plugou sua guitarra. Com uma melodia simples e baixa, ele cantou: "Não saia de casa esta noite, ele pode chamar sua atenção, esconda-se abaixo do cobertor, pois há uma lua do mal em ascensão"

— Espera, para tudo... Você está fazendo referência há nove anos? Você realmente acredita que aconteceu? — Ela deu um sobressalto tentando observar as feições de Rael.

Nesse momento, ele pôde reparar melhor em sua amiga, o vestido preto e comportado passava dos joelhos, ele não se deu conta até então. Os cabelos claros e ondulados estavam jogados a frente do corpo e seu olhar negro era de curiosidade.

— Ah! Sim! Bom, eu tenho motivos para isso — Disse Rael, tentando não forçar a memória.

— Pode ir me contando tudo — ela pulou na ponta dos dedos e sentou na poltrona do computador se virando para o amigo.

— Bom, sabe porque meu irmão se mudou exatamente do nada quando éramos crianças?

— Não, mas eu lembro vagamente do dia em que ele foi embora, observei ele dando um beijo na sua bochecha e entrando no carro.

— Ele alega que naquele dia foi socorrer um amigo e quando voltou à noite para o visitar... — A voz de Rael é interrompida pela maçaneta girando.

— Cheguei! Desculpem a demora, Esther me prendeu por mais tempo que o necessário. — A voz agora que corria pelo cômodo do quarto era de Caio. Ele parecia estar bem cansado e não era por correr, já que ele morava apenas algumas ruas da casa de Rael. O cabelo loiro pingava de suor e estava um pouco bagunçado, os olhos esverdeados como uma esmeralda estavam atentos para os dois e suas sarnas ganharam mais vida devido ao cansaço.

— Senta aí, cotoco — caçoou Alana.

— Ou! Não sorria da minha altura — Ele se sentou na cama e pôs em cima dela um saco de lanchonete que, pelo cheiro, Alana e Rael tiveram a certeza de que era cachorro-quente.

— Então, o que vamos assistir? — Perguntou ele.

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