Corrompido

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"O homem não se entrega aos anjos, nem se rende inteiramente à morte, senão pela fraqueza de sua débil vontade"

— Edgar Allan Poe



5 anos depois

A manhã era calma, quente, ausente de nuvens no céu. Denunciava, portanto, mais um longo dia de verão, sem chuvas. Contemplado pelos raios calorosos do sol e o canto inebriante dos pássaros, da vida.

Apesar de se tratar de um dia comum, sem excepcionalidades, para Eliot havia um ar diferenciado, contemplativo. Sua rotina fora cessada por um tempo mais do que merecido. Voltara a sua família após um longo período distante, de vila em vila, caçando aquelas que eram consideradas o mal, dando-lhes o destino merecido. Sabia em seu consciente que havia feito a escolha certa, servir a Deus, usar sua força a serviço dele. Parecia digno, todos o admiravam por ser digno. Mas ainda sim sentia um fluxo negativo dentro de sua alma, um cansaço, uma dor angustiante, todas as vezes que assistia as damas arderem em chamas.

"É normal, por mais que saibamos que estamos certos, ainda é a morte, ainda nos causa um sofrimento. Apenas não se deixe dominar, se acostumará com o tempo". Diziam-lhe ao externalizar sua dor. Mas não se acostumava. Nunca. Rezava pedindo a Deus que o livrasse de tais sensações, porém não era ouvido. Jamais. Deixara de senti-lo há muito tempo.

Naquela manhã, Eliot se aconchegou sob o abraço caloroso de sua mãe, o olhar orgulhoso de seu pai, e a animação inocente, curiosa, de sua irmã mais nova, que havia nascido no período o qual ele não estava lá. Mas ainda assim sentia-se vazio. Não importava o quanto reafirmassem sua honra, o quanto ele mesmo repetisse suas vitórias, inconscientemente, havia uma dor crescente em seu peito, uma solidão incapaz de ser curada.

Deslizou suavemente seu caminhar em direção a mata fechada. Desejava esvaziar a mente, conectar-se com a natureza, sentir-se parte dela como se sentia quando era mais novo. Lembranças invadiam sua mente a cada passo, a mata continuava a mesma, como se não tivesse envelhecido. O local onde brincava, a árvore o qual subia, tudo em seu devido lugar, sem intervenções, causando-lhe uma intensa e gostosa nostalgia.

Caminhou por um longo tempo, permitindo-se sentir, sem pensar e sem se preocupar em seguir um trajeto familiar. Caminhou até não reconhecer mais as árvores, e o barulho inconfundível de uma cachoeira dominar seus sentidos. Segui-o como uma nuvem, em um fluxo impremeditado. O barulho tornava-se cada vez mais forte até que pôde, sob o seu olhar, observar a grandiosa cascata que descia pela montanha. Parou. Fixou a visão e notou que não estava só. Havia uma silhueta despindo-se despreocupadamente na outra margem das águas. Aproximou-se com cuidado, apenas o suficiente para que pudesse observá-la.

Era uma mulher. Cabelos longos e negros como a noite, desciam feito um véu até o início de seu quadril. Nele, haviam visíveis covinhas. Sua pele era branca, entretanto, bronzeada pelo sol. Deslizou seu corpo nu sob as águas recobrindo-o quase por completo. À mostra estavam seios redondos de mamilos rosados. Reclinou a cabeça permitindo que seus cabelos fossem tomados pela intensa fluidez da cachoeira, desfazendo suas ondulações. Eliot, pela imagem, possuía fascínio. Incapaz de desgrudar o olhar daquela bela visão. Seu corpo timidamente correspondia. Coração acelerado, mãos suadas, vermelhidão em seu rosto.... Fechou os olhos suplicando para que tais sensações fossem retiradas de si. Rezou, como haviam lhe ensinado, para que o pecado fosse dele afastado, mas de Deus não ouvia respostas, como sempre. Permanecia em inconstância. Sob desejo e negação.

Ouviu risadas e direcionou o olhar novamente a cascata. Outra mulher se juntava a ela. Possuía cabelos igualmente longos em ondulações mais rebeldes. A cor semelhante a chama de uma vela destacava-se ainda mais sob o forte sol. Sardas recobriam não apenas o seu rosto, como também, grande parte de seu corpo nu. De sorriso largo, daqueles que os olhos se fecham para acompanhá-lo. O sorriso! Sim! Aquele sorriso despertou lembranças até então trancafiadas propositalmente ao fundo da memória, fez com que seu coração desmoronasse. Eliot reconheceria ele de longe, mesmo ao passar de séculos, ainda sim o distinguiria de qualquer outro.

Escarlate.

Mais bela do que já fora um dia. Era uma mulher, não mais uma criança. Todos os detalhes de seu corpo e de suas feições reafirmavam isso. Cada delicada linha que desenhava a beleza de seu traçado. Ela deslizou ao encontro da mulher de cabelos negros, em uma suavidade quase palpável. Ambas riam, porquanto a água deslizava sob seus corpos. Possuíam intimidade e se olhavam com intensidade, repleto de calor. A morena escorregou os dedos entre os fios ruivos da jovem a sua frente, delicadamente, porém com firmeza. Mantinha o olhar fixo enquanto se aproximava. Com toques precisos, descia sem pudor de seus lábios até a linha da clavícula exposta, e por ali, sua boca deixava marcas. Era hipnotizante. A mulher hipnotizava e parecia a ruiva agradar. No momento em que o toque suave de seus lábios ocorreu, Eliot tropeçou, causando um barulho audível.

O homem correu para o sentido oposto sem olhar para trás. Não soube dizer se elas haviam o escutado e não detinha a coragem para descobrir. Apenas seguiu pelo caminho que viera sentindo o peito acelerar. Seria aquela Escarlate? Ou o desejo oculto de vê-la o fizera alucinar? Em todos esses anos aprendera a interpretar a cor ruiva como sinal do mal. Mas sabia que não era tão incomum. Poderia ser qualquer outra mulher com essa característica. E o sorriso? Delírio! Somente. Novamente em casa tentou apagar de sua mente o que vira, infrutiferamente. As cenas repassavam em um looping detalhado, o que dava cada vez mais certeza de que ele não alucinou Escarlate. Era ela.

Perdia-se em excitação por vê-la e em repreensão por desejar vê-la novamente, pois com tudo que havia visto e aprendido temia quem ela era, quem havia se tornado. Mas ainda assim, desejava-a mais que tudo, e a veria outra vez.

 Mas ainda assim, desejava-a mais que tudo, e a veria outra vez

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📜 NOTA DA AUTORA 📜

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Eliot

Escarlate

Avalon

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