Querida Camila! Faz tempo que não nos vemos - desde as férias de outubro, quando você veio passar uma semana comigo. Foi muita sorte minha passar uma semana inteira junto com você. Lembra quantos caranguejos nós apanhamos lá no ancoradouro? E tenho certeza de que você não se esqueceu do meu telescópio de astrônomo, aquele grande, e talvez até sinta saudade dele. Toda noite você queria olhar as estrelas pelo telescópio! Só tivemos uma noite de céu encoberto. Nessa noite ficamos na cozinha fazendo panquecas - lembra? E lembra também que prometi escrever uma história para você? Pois bem, aqui está! Hoje resolvi sentar para escrevê-la - e não só porque você completou oito anos há alguns dias, e tem agora exatamente a mesma idade que eu tinha quando estava esperando nascer minha irmãzinha ou irmãozinho. Há também um outro motivo, uma grande novidade que vou lhe contar depois. Mas primeiro preciso lhe falar sobre o Mika, para você entender tudo direitinho. Não posso dizer que me lembro de tudo como se fosse ontem. Mas sinto a tentação de dizer que me lembro de quase tudo, como se fosse anteontem! Algumas coisas esqueci; outros trechos sem dúvida imaginei. Em geral é isso que ocorre quando queremos contar fatos que aconteceram há muito, muito tempo. Lembro com bastante clareza como tudo começou. Até poderia dizer que começou de um jeito muito normal. Quer dizer, se é que se pode considerar "normal" esperar nascer uma irmãzinha ou irmãozinho. Não sei. As coisas mais comuns nem sempre são tão banais como nós pensamos.Naquela época nós sempre tínhamos em casa duas ou três galinhas ciscando no quintal. Você acha que galinha é uma coisa comum? Bem, eu também achava. Mas isso foi antes de conhecer Mika. Imagine que você fosse um astronauta solitário atravessando o espaço sideral. Mesmo que você viajasse durante meia eternidade, só com muita sorte encontraria uma galinha - uma só que fosse! Há bilhões de estrelas no universo. Uma ou outra pode ter um ou dois planetas girando à sua volta. Depois de viajar durante muitos e muitos anos, você poderia chegar a um planeta onde existisse vida. Mas mesmo num planeta com vida, as chances de encontrar uma galinha são mínimas. Seria mais provável você encontrar um ovo. Mas duvido muito que desse ovo saísse uma galinha. É bem possível que não existam galinhas em nenhum outro lugar do universo exceto no nosso planeta Terra. E o universo é tão vasto que nem dá para imaginar! Sendo assim, como podemos dizer que a galinha é comum? E já que estamos falando de galinhas, quero lembrar a você que a galinha bota um ovo quase todo dia. Você já ouviu falar de alguma outra ave ou animal que faça isso? Se estou começando desta maneira a minha história sobre Mika, é porque foi ele que me ensinou que nada é comum. Às vezes as pessoas dizem que tiveram "um dia comum". Isso me deixa meio aborrecido, porque não existem dois dias iguais. E nós também não fazemos a menor idéia de quantos dias de vida ainda temos pela frente!
Talvez pior ainda do que falar numa galinha "comum" ou num dia "comum" seja falar num menino "comum", ou numa menina "bem comum". É o tipo da coisa que a gente diz quando não quer se dar ao trabalho de conhecer melhor as pessoas. Bem, então, ali estava eu, esperando uma irmã- zinha ou irmãozinho. Minha família vivia discutindo qual dos dois ia ser. Eu, pessoalmente, tinha certeza de que aquela enorme bola na barriga da mamãe era um menininho. Como e por que eu tinha tanta certeza, é algo que nunca entendi. Talvez fosse apenas porque eu queria um irmão mais do que tudo no mundo. Nós, seres humanos, gostamos de acreditar naquilo que mais desejamos. Eu já achava bem difícil imaginar como seria ter um irmãozinho. Mas, pelo menos, um irmão seria um pouco como eu. Já uma irmã era muito mais difícil de imaginar. Mamãe me disse que o bebê estava de cabeça para baixo dentro dela, e lhe dava chutes e pontapés terríveis na barriga. Quando fiquei sabendo disso, achei que meu irmãozinho devia tomar jeito e se comportar. Acho que foi a primeira vez que tive vontade de lhe dar uns conselhos. Com certeza não foi a última! Acontece que nós nascemos neste mundo sem nenhuma educação nem bons modos. A gente leva anos para aprender a mostrar um pouco de considera- ção pelos outros. Meu irmãozinho ia achar muito estranho chegar num mundo totalmente novo. Eu não tinha nenhuma inveja dele. Quando ele chegasse, ia ter que se acostumar com uma porção de coisas diferentes. Com certeza ele não tinha a menor idéia de como era tudo por aqui, do lado de fora daquele espaçozinho escuro onde ele estava. Eu já tinha começado a planejar direitinho como iria explicar as coisas para ele. Pois ia ler que lhe contar como era tudo no mundo! Meu irmãozinho nunca tinha estado no mundo antes. Nunca tinha visto o sol e as estrelas, as flores e os animais dos campos. Sendo assim, ele também não poderia saber o nome de todas as flores e animais. E eu mesmo ainda tinha muita coisa para aprender. Por exemplo, eu não sabia a diferença entre um puma e uma onça. Hoje eu sei que a onça é um pouco maior que o puma, mas a questão não é essa. Há milhares de animais diferentes neste planeta. Eu ainda teria muito trabalho pela frente para ensinar ao meu irmãozinho a diferença entre um cachorro e um gato. Os seres humanos levaram milhares de anos para dar nome a todas as plantas e animais da criação, e ainda não terminamos essa tarefa. E uma vida inteira parece um tempo bem curto para se aprender todos esses nomes. Meu irmãozinho era como um astronauta visitando a Terra pela primeira vez. "Ei! Tem alguém aí? Ou é tudo vazio e deserto...? "Um planeta azul! Parece um pirulito todo colorido. Será que lá existe vida...? "Socorro! Estou caindo!" Eu tinha apenas oito anos quando tudo isso aconteceu. Começou no meio da noite. Acho que eu estava sonhando com alguma coisa emocionante..."Acorde, Joakim", disse papai. "Ainda é de noite, mas o bebê não sabe disso e quer sair agora da barriga da mamãe." Sentei-me na cama. "Quem, o irmãozinho?" Lembro exatamente dessas palavras, porque eu tinha acabado de acordar e o quarto estava muito escuro. Papai me perguntou se eu podia ficar em casa sozinho enquanto ele e a mamãe iam para o hospital. Prometeu telefonar quando chegassem lá. Antes de me acordar, tinha ligado para a tia Helena. Ela ia pegar o primeiro ônibus para vir ficar comigo. Falei que eu ficaria muito bem sozinho até a tia Helena chegar. "Vou fazer alguma coisa com meu Lego." Era o que eu sempre fazia quando tinha que ficar sozinho. Costumava construir enormes foguetes espaciais. E precisava usar toda a minha imaginação. Naquele tempo não existiam conjuntos Lego com naves e foguetes! Comecei a me vestir depressa, ansioso com o nascimento do meu irmãozinho. Ou irmãzinha. Mas eu tinha certeza de que vinha vindo um menininho. Bem, assim vai acabar essa história de chutes e pontapés, pensei. E já fazia semanas que eu não me sentava no colo da mamãe. Lembro que fui até a janela e soltei a persiana. Ela deu um estalo e se enrolou toda lá em cima. Olhei para o céu salpicado de estrelas. Nunca tinha visto uma noite assim clara. Corri lá para baixo. Mamãe estava sentada na poltrona grande, com as mãos atrás das costas. Tinha os olhos bem apertados e todos os músculos do rosto muito tensos. Papai já tinha me dito que dar à luz uma crian- ça é um trabalho muito duro, e eu não queria incomodá-la. Só tive vontade de dizer que ganhar uma irmãzinha ou irmãozinho também é bem difícil. Mas isso teria que esperar outra ocasião. Lá fora ainda estava escuro como breu. Ficou ainda mais escuro depois que mamãe e papai partiram e os faróis do carro desapareceram. Os dois com certeza não estavam pensando nem um pouquinho em mim - isso é que era o pior. Aquele bebê pequenino, que já tinha começado a lutar para sair da barriga da mamãe, era mais do que suficiente para ocupar os dois. Fiquei muito tempo parado na porta de casa. Quando entrei e fechei a porta, tive a sensação de que a casa estava tão deserta quanto o espaço sideral em volta.
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Ei! Tem alguém aí?
Adventure- Essa é a história de um menino de oito anos que vai ganhar um irmãozinho. Enquanto espera os pais voltarem da maternidade, ele recebe a visita de Mika, uma espécie de pequeno príncipe que parece de outro planeta. Os dois são muito diferentes, mas...