O Soldado de Berlim Ocidental

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"Seu fim se aproxima"

Essas eram as palavras que se prendiam em minha mente. 

Tudo havia começado algumas semanas antes. Eu não compreendi na época o que era aquele recado, escrito em uma caligrafia garranchosa e apressada, que me dizia para ter cuidado.

Mas quem me dissera isso? Com o que eu devia ter cuidado?

O bilhete não dizia.

Resolvi ignorá-lo

No dia seguinte, encontrei tudo em minha sala fora do lugar. Não, as coisas não estavam bagunçadas como se alguém procurasse algo, era como se alguém houvesse organizado a sala, mas os papéis da primeira gaveta estavam na terceira, minha mesa não se encontrava mais de costas para a janela, mas sim de costas para a porta. Nada estava onde deveria.

Quem havia feito aquilo? Apenas eu tinha acesso à minha sala com a chave que eu carregava presa a um cordão em meu pescoço, os segredos que envolviam minhas funções no departamento de inteligência do exército exigiam esse tipo de cuidado.

Mas alguém havia entrado.

Não pude reportar a invasão a um superior, ele me tomaria por um louco, afinal quem invadiria uma sala de alta segurança e sairia sem levar nada?

O que estava acontecendo?

Dois dias depois um novo bilhete foi deixado dentro do meu carro, um novo aviso sobre meu fim iminente.

Mais três dias se passaram e houve um nova alteração na organização de minha sala.

Os dias se passaram e nada mudou.

Eu recebia bilhetes e ataques à minha sala com uma frequência inconstante, mas incessante.

Até que um dia houve algo diferente. Quando cheguei do trabalho, encontrei alguns cômodos de minha casa reorganizados. Não era possível. Assim como todos os agentes da inteligência, meu endereço era um segredo e minhas rotas entre a residência e o trabalho eram definidas por um grupo especializado de forma que eu sempre tomasse caminhos diferentes por ruas movimentadas, dificultando o rastreio.

Quem estava tão obstinado a me encontrar?

Mas o mais intrigante era não existir motivação aparente além de me aterrorizar.

Nenhuma ameaça de captura, nenhuma ordem de parar com minhas funções, nenhuma tentativa de obter informações confidenciais.

O que aquele louco buscava?

Os dias se passaram e os ataques à minha casa se tornaram parte do modus operandi de meu antagonista.

Se o objetivo dele era me tornar escravo do medo, ele fora capaz.

Se o objetivo dele era me afastar de minhas funções, ele conseguira, pois o medo constante de um ataque me impedia de dormir e o cansaço se acumulara de tal forma que eu mal me lembrava de partes significativas do meu dia.

Se o objetivo dele era obter informações, bastava ele pedir, eu aceitaria qualquer coisa para acabar com aquilo, entregaria cada um dos agentes que me traziam informações do alto comando estrangeiro, qualquer coisa para que aquilo acabasse.

Os ataques não cessavam, nem se tornavam mais constantes. Às vezes se passavam dias sem que nada estranho ocorresse, às vezes eu encontrava um bilhete e uma reorganização no mesmo dia. Essa inconsistência tornava tudo pior, pois criava a sensação constante de que algo terrível aconteceria a qualquer momento.

Eu enxergava agentes inimigos em toda parte.

Eu sentia medo sentia medo sempre que alguém me dirigia a palavra.

Já não conseguia pensar, pois todos os meus pensamentos se voltavam para me manter vivo.

Não consegui me concentrar, pois qualquer som me parecia uma ameaça.  

Eu já não dormia regularmente, encontrava o sono apenas em cochilos que me acometiam sem aviso durante o trabalho, uma refeição. Mas de qualquer forma, o sono não era um alívio, minha mente em constante alerta não encontrava descanso de forma a me trazer sonhos terrivelmente lúcidos, nos quais eu via meus pertences se moverem e bilhetes surgirem como que espontaneamente nos meus aposentos. Quando acordava estava coberto de uma fina camada de suor e com a respiração pesada de quem faz um grande esforço físico. 

A mudança de residência que deveria ser um alívio logo se mostrou uma nova fonte de tortura: no mesmo dia em que cheguei à nova localidade tive meus pertences reorganizados por meu perseguidor.

Não era possível, a operação fora confidencial, uns poucos homens de confiança sabiam dela. Nem mesmo meus objetos pessoais foram removidos da residência antiga afim de não levantar suspeitas.

Como a informação vazou?

Meu antagonista era realmente muito bom. Sim, nesse ponto eu tinha certeza que enfrentava um único homem, uma campanha tão longa contra um único alvo não poderia ser executada por um grupo muito grande e ser mantida em segredo.

Além do mais, um oficial da inteligência de média patente não valeria os recursos utilizados por um grupo grande por tanto tempo.

Mas o que aquele homem queria?

Depois de dois dias na nova residência recebi um ataque mais ousado. A mobília da minha sala fora trocada de lugar com a da cozinha durante a noite enquanto eu tinha um dos meus curtos períodos de sono.

Gostaria de dizer que tomei medidas para rechaçar meu perseguidor, que eu me preparei para lutar bravamente por minha vida ou mesmo que tentei descobrir o que estava acontecendo. Mas tudo que fui capaz de fazer foi secar o suor de minha testa com um lenço e admirar o trabalho realizado sem um mínimo ruído e sem nenhum sinal de arrombamento.

No trabalho, meus superiores me ordenaram que voltasse para casa, pois eu não era útil naquele estado deplorável de desatenção, falta de concentração e de raciocínio que a privação do sono me deixou.

Tentei dormir durante a tarde, mas sem bons resultados, apenas os cochilos recheados de sonhos perturbadores de sempre.

Quando dei por mim eu estava sentado à mesa da cozinha, que agora se encontrava no cômodo que até de manhã era um quarto, mas dessa vez havia algo diferente. 

Eu segurava uma Luger 9 mm, a arma que os oficiais alemães carregavam durante a segunda guerra e que alguns como eu ainda utilizavam por tradição. Meu dedo segurava com força o gatilho e o rachadura na mesa indicava que eu a havia atingido.

Meu antagonista havia surgido ali, na minha frente e inconscientemente eu havia sacado minha arma e atirado?

Observei com atenção o ponto em que a bala perfurou a mesa e de súbito eu compreendi. Foi como se algo se rompesse dentro de minha mente, como a grande barragem que continha as águas de um lago. As lembranças me inundaram. Eu me lembrei de todos os lapsos de memória das semanas anteriores e percebi como meu antagonista fizera tudo aquilo.

Senti sua frustração ao perceber que ele não fora capaz de me causar tantos danos quanto gostaria, apesar de meu estado lastimável e por isso ele decidiu me matar.

E eu não poderia impedi-lo, afinal de contas, quem seria capaz de me proteger de mim mesmo?

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