26 de Abril de 2010

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Acordei com o alarme do meu celular no máximo, seria mais um dia corrido como todos os outros, porém hoje era segunda e o movimento no consultório não seria tão grande. Levantei com calma, sempre fui pontual - uma das coisas que aprendi com mamãe - não precisava de correria toda manhã, fui ao banheiro, me olhei no espelho e me senti bem com o que vi apesar dos anos terem passado eu continuava do mesmo jeito, os mesmos cachos e a mesma pele lisa. Enquanto arrumava meu cabelo ouvi meu celular tocar no quarto, já sabia de quem se tratava.

- Bom dia Murilo

- Oi Ele, você vem hoje? - Ouvi uns gritinhos infantis ao fundo -

- Faltei alguma vez? - Ele sorriu gostosamente

- Você nunca falta, então venha as 17:00, combinado?

- Combinado, mande um beijo pro Enzo.

Enzo era o filho mais velho do Murilo, que recebeu esse nome em homenagem a sua mãe e eu era madrinha dele, a "dinda" como ele chamava. Ainda me lembro do dia em que cheguei da faculdade de Psicologia e minha caixa de correio continha um envelope dourado com os nomes "Enza e Murilo", senti um baque e as pernas tremeram e ao abrir o envelope tive a certeza, era realmente um convite de casamento. Eu tinha visto Enza apenas duas vezes, mas a primeira vista dava para notar o quanto ela era bela, descendente de Italianos, possuía uma longa cabeleira ruiva e olhos azuis, Murilo teve sorte ou talvez, ela teve sorte.

No momento em que vi o convite eu quis rabiscar o nome dela e colocar o meu, mas isso não iria mudar nada. Era dela que Murilo gostava, ela tinha o conquistado de uma maneira tão forte que aos 20 anos no dia 27 de Outubro de 2000 ele estava no altar esperando por ela com um sorriso de orelha á orelha, mas ainda sim eu duvidava, até que chegou o momento em que a musica Il Regalo Piú Grande tocou no lugar da marcha nupcial e eu saí do transe e aceitei as oportunidades não passam outra pessoa as tomam para si. Então Enza entrou na Igreja com o vestido longo e branco e os cabelos ruivos soltos como uma cascata de sangue, o sangue que jorrava da minha alma, o sangue do meu arrependimento.

Deixei o celular em cima da cama e retornei ao banheiro, terminei de me arrumar e dei uma ultima checada nos meus emails, estava tudo certo. Apanhei minha bolsa e a chave do carro e fui em direção ao consultório. Havia me em psicologia em Janeiro de 2002 e desde então vinha lutando para ter meu próprio consultório e há alguns anos realizei esse sonho. Quando cheguei ao consultório já encontrei Renata, minha secretaria e do Dr. Mateus, meu sócio que conheci na faculdade e trilhamos esse caminho juntos, eramos acima de tudo amigos e por fim, sócios.

- Bom dia Renata, pode trazer minha lista de pacientes e todas as fichas de hoje até minha sala?

- Bom dia Dr. Elena, já estão encima da sua mesa.

- Obrigada Renata.

Minha sala era ampla e com singelos toques na decoração, tinha que ser um ambiente acolhedor e sem cores fortes demais, escolhi um azul bebê para as paredes e acessórios retrô para a decoração, o divã também vinha nesse estilo e minha poltrona era do estilo mais moderno. Já encontrei na minha sala a lista de pacientes do dia e já sabia de algumas sessões, mas me surpreendi ao ver o nome Enza Gasparelli Andrade em uma das minhas listas, esse era o nome da esposa do Murilo.

Liguei na recepção:

- Renata, pode vir até minha sala?

- Sim Dr.

Em instantes Renata entra:

- Pois não.

- Renata, quando essa Enza Andrade marcou comigo? Você tem os registros?

- Foi ontem Dr. logo depois que você saiu para almoçar

- Ela estava sozinha? Viu alguém com ela?

- Estava sozinha e usando óculos escuros, estava aparentemente nervosa.

- Obrigada Renata, assim que ela chegar me avise, pode ir.

- Claro, com licença

Isso me intrigou, porque Enza iria querer uma consulta comigo logo hoje, no aniversario do Enzo, tudo bem que ele nunca tivesse vindo antes, mas porque Murilo evidentemente não sabia disso? Tinha que esperar para ver. Ouvi uma batida na porta.

- Pode entrar.

- Bom dia Ele - Era Mateus, hoje ele estava radiante

- Bom dia Mateus, viu um passarinho verde por aí?

- Não posso ficar feliz que você vem de deboche né? - Ele riu e se sentou na cadeira a minha frente.

- Quem foi o alvo dessa vez? - Disse fazendo cara de misterio. Mateus era um homem adoravel e bonito, alto e forte, cabelos grisalhos e olhos verdes.

- Ninguém dessa vez, estou radiante por outro motivo. - Ele me olhou e fez aquela cara de "Adivinha o que é?"

- Diz logo Mateus, estou curiosa.

- Comprei dois ingressos pro show do Tiziano Ferro, seu cantor favorito!

Levantei de supetão da minha poltrona e pulei encima do Mateus, era meu sonho conhecer pessoalmente meu ídolo italiano e ele iria me proporcionar isso, mas porque?!

- O que você quer em troca? Não fiz isso sem segundas intenções né?

- Acertou em cheio! - Ele me colocou de volta no chão e disse:

- Quero sua companhia no show e um jantar em seguida.

- Apenas isso? - Sentei de volta na minha poltrona e o olhei.

- Apenas isso e desejo que a semana passe voando e que sábado a noite chegue logo. - Mateus saiu e fechou a porta e eu fiquei boquiaberta.

Sou fã do Tiziano Ferro desde muito tempo quando ele lançou a musica Rosso Relativo, me apaixonei pelo sotaque italiano e a voz rouca, tinha todos os posteres e Cd's inclusive, ganhei o primeiro CD dele do Murilo que me deu no dia do meu aniversario e desde então foi amor. E agora do nada Mateus me aparece com esses ingressos, era meu sonho se realizando, ele merecia esse jantar.

O telefone da minha sala tocou, era Renata anunciando a chamada do primeiro paciente e eu prontamente o atendi começando a sessão semanal dele. A pilha de fichas ia se abaixando até que chegou na mais esperada do dia e eu acreditei que Enza não viria, mas ela veio.

- Posso entrar? - Enza estava na porta.

- Claro, quer se sentar aqui - apontei a cadeira a minha frente - ou no divã?

- Prefiro a cadeira, fico mais próxima de você

Enza se sentou e o nervosismo dela era palpável e apesar dos meus longos anos de trabalho eu também estava nervosa.

- Fique a vontade, então.. - Enza me interrompeu -

- Por favor, não conte nada do que eu te disser a Murilo, sei que são quase irmãos, mas sei também que você é ética em seu trabalho.

- Claro, somos psicologa e paciente aqui, não te vejo como a esposa do meu melhor amigo, pode iniciar.

Enza tirou os óculos escuros que usava e colocou sobre a mesa, vi uma lagrima solitária rolar de seu rosto, ela começou a falar porém as palavras travavam em sua boca, era algo grave.

E se eu tivesse dito sim?Onde histórias criam vida. Descubra agora