Através dos seus Olhos *Langa x Reki & Joe x Cherry*

~52~

Adam...

A fumaça sai de meus lábios entreabertos, o cheiro de tabaco permeia o ambiente junto com o enojante cheiro de vinho quando já está a muito tempo em um lugar.

O apartamento da mais alta classe da cidade, está iluminado por luzes indiretas vindo dos abajures antigos que ganhei do Cherry, e que dão um ar meio filme dos anos oitenta para a sala em tons escuros.

A janela longa e perfeitamente limpa me mostra a cidade caída na penumbra, um bêbado caminha aos tropeços pela calçada irregular. O apartamento está tão silencioso quanto lá fora. Nenhuma alma que vale a pena se olhar perambula pelas ruas fétidas.

Minha cabeça parece estar explodindo, como se uma bomba estivesse em seu martelar eterno, prestes a jogar meus miolos para fora.

Ainda estou usando a roupa formal que fui trabalhar, a gravata está jogada no sofá. Levo o cigarro até a boca, em uma tragada uma nuvem de fumaça se forma ao meu redor.

Se o Tadashi estivesse aqui ele provavelmente iria me xingar, dizer o quanto o cigarro faz mal, e o quanto o cheiro o faz querer vomitar. Eu seria obrigado a tomar um banho e então me deleitaria em suas belas curvas até a exaustão me abater...

Se ele estivesse aqui...

Mas não está.

Aperto o cigarro em minhas mãos, queimando a palma. A dor parece me atingir quase que com ternura. Não a sinto... Não é como se eu tivesse  sentido muitas coisas ao longo da minha miserável vida.

Eu sou uma pessoa horrível, egoísta e muitas vezes desagradável. Que cresceu em meio aos abutres nojentos de uma família hipócrita, que vive na sombra da fortuna do meu pai morto, minha mãe que deveria ter morrido junto com ele no acidente, mas não... A vida é mais cruel que isso, e a fez ficar em estado vegetativo em um quarto no fim do corredor na porcaria da mansão que eu cresci.

Eu sou um babaca. Nem de longe diria que sou um exemplo para alguém. Sinto que quebro tudo que toco, tive o Cherry em minhas mãos mas ele se foi antes que se quebrasse e eu agradeço por isso, não suportaria a dor de tê-lo ferido de alguma forma, porque eu sempre faço as coisas erradas em algum momento...

Mesmo sabendo disso o Tadashi ainda está ao meu lado. Quantas vezes eu fui um filha da puta com ele? E em todas as vezes que qualquer pessoa teria dado um soco na minha cara, ele me abraçou... ele me trouxe amor quando eu não merecia amar, desde sempre foi assim...

Quando pequenos ele segurava minha mão quando passávamos pelo Jardim da mansão, ele me fazia sorrir, me fazia ver um mundo além do que meus olhos poderiam ver. E sempre esteve ali como uma sombra... acompanhando cada passo meu.

E tão confuso quanto poderia ser eu me apaixonei... Eu tive meu coração tomado por suas mãos puras, meu ser entregue de joelhos em sua alma despida. Sem nada ao meu redor, eu me entreguei... E não posso voltar a ter algo que nos separa.

Por vezes eu penso não ser digno de seu amor, me pego pensando que ele é bom demais para mim... Mas não. Eu sou egoísta e meu egoísmo me faz tomá-lo em meus braços, me faz jurar ao mundo que não o deixarei ir.

Eu não sei porque ele tem que se importar com o que as pessoas acham. Por mim todos poderiam queimar no inferno, mesmo que tirem minha posição, meu dinheiro, meu poder... ainda sim serei feliz, pois não preciso de nada além dele.

Olho para a garrafa de vinho ao meu lado e sirvo o resto em uma taça já suja, viro tudo de uma vez, levanto minha mão contra a luz, e encaro por um tempo a queimadura em minhas mãos. Ainda não doi.

O que eu deveria fazer para que ele não se importe mais com as pessoas? Arrastar todas elas para um buraco longe daqui? Jogar seus corpos imundos para o inferno de onde vieram?

Eu poderia simplesmente entregar parte da empresa da família e me ver livre... Mas não é tão simples assim. Elas ainda estariam lá, rondando a casa que um dia fora do meu pai.

Só estão lá pois todas as posses estão no nome da minha mãe, enquanto ela respirar, mesmo que tenha se tornado uma inútil, nada poderá ser feito. Andam pela casa e vivem lá apenas por ganância, esperam gratidão por ter me criado com o um animal recluso. Sendo que eu que deveria receber a gratidão... Não são as mesmas pessoas que usufruíam de minha riqueza por anos em que eu não alcançava a maioridade?
- Cansei de ser digno - sussurro enquanto levanto da poltrona, meu corpo rastejante caminha como um moribundo até o banheiro.

No caminho vou me livrando das peças de roupa, jogando tudo para um canto qualquer. Puxo a blusa de botões e os escuto rolar pelo chão, o tecido caindo por meus braços até a entrada do banheiro.

Já completamente nu eu entro embaixo do chuveiro. A água quente parece queimar minha pele, deixo que o vapor consuma todo o cômodo.

Com os olhos fechados eu sinto a água molhar os meus cabelos fazendo com que caia por meu rosto, cobrindo meus olhos... as gotas escorrem pelo meu corpo me livrando do cheiro da bebida e do cigarro.

Minha cabeça parece estar tão quente quanto o vapor.

Amanhã... Eu vou ir ver meu advogado pessoal, vou dar um jeito de tirar legalmente essas inúteis de qualquer coisa da minha vida. Assim não terá ninguém com quem o Tadashi se preocupar.

O restante do mundo que vá para o inferno.

Eu sei que ele vai me julgar se fizer as coisas dessa forma, mas não me importo. Desde que o tenha comigo valerá a pena. Mesmo se as pessoas a qual tenho contato, seja em ambiente pessoal ou profissional, me julgarem por ser gay, por ser um péssimo sobrinho ou pelo que seja. Tudo não passará de palavras que não mudarão quem sou, não mudaram o prestígio da minha empresa ou qualquer outra coisa.

Eu não tenho vergonha de amar o Tadashi... Mesmo que digam que irei queimar por isso, tudo bem... que queime então. Se o inferno é o que me espera, eu cuidarei de manter meu paraíso ao lado de quem amo.

                           • ♡ •
"Eu sempre pensei que eu poderia ser ruim. Agora eu tenho certeza que é verdade, porque eu acho que você é tão bom, e eu não sou nada como você. Olhe para você. Eu apenas te adoro. Eu queria saber o que faz você pensar... que eu sou tão especial?"
                       - Love Like You
                     (Rebecca Sugar)