ENTRE DOIS MUNDOS

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Duas Luas. Duas constelações. Duas almas.

Não havia som algum. Eu sabia que estava sonhando novamente com aquela mesma colina, usando aquelas mesmas vestes, esperando aquele mesmo homem chegar.

Ele surgiu. Usava a camisa de linho branca parcialmente aberta, apenas o bastante para exibir a pele alva de seu peitoral; os olhos cor de mel estavam semicerrados sob a luz que banhava o cume. Ele se embrenhava pela relva alta, que se agarrava insistentemente às suas coxas.

A brisa suave balançou seu cabelo preso em um rabo de cavalo longo, fazendo os cachinhos cor de trigo dançarem pelo ar.

Quando ele se juntou a mim, seus lábios fartos se moldaram em um belo sorriso, tão suave quanto uma brisa de verão. Se sentou ao meu lado, parecendo eufórico e ofegante após a subida árdua da superfície íngreme.

Ele falava comigo e eu sabia que entendia e respondia, mas quando acordei, a lembrança era apenas a de um silêncio absoluto. Assim como todas as vezes. As Luas esmaeciam conforme o dia se tornava mais claro.

Só restava aquela sensação de conforto. A sensação do toque daquele homem e de seu cheiro de flores silvestres impregnado em meu nariz, como se ele estivesse ali comigo a noite inteira.

Maximus, meu cachorro, se mexeu ao meu lado, me fazendo voltar para a realidade. Fazia tanto tempo que eu não sonhava com o homem... Por que agora?

Minha cabeça doía e aquele estranho sentimento nostálgico não me deixou em paz durante todo o dia.

Pensei em desabafar no meu diário, escrever para ele, mas isso seria regredir muitos. Eu já estava habituado aos fatos e não queria me afundar novamente naqueles sonhos tão distantes.

Resolvi ir caminhando para o trabalho. Me ajudaria a espairecer antes de abrir o estúdio e atender aos clientes daquele dia.

Meu tão sonhado estúdio de tatuagem. Fruto de muita teimosia, insistência e perseverança. Eu sempre pensei que aconteceria algo mágico quando tivesse minha carreira como tatuador, que seria como se automaticamente a vida fosse fazer sentido depois que eu realizasse meu maior objetivo, mas não se parecia muito com isso.

A vida continuava normalmente. Eu estava feliz, investindo nos meus projetos, vivendo da minha arte e do que amava, mas, no geral, tudo continuava o mesmo. A vida era igual.

Sentia falta do novo acontecendo, de ter um grande objetivo, de estar correndo atrás de algo. Acho que a vida é isso. Não se resume às linhas de chegada e sim aos caminhos percorridos até elas.

Ao mesmo tempo, gostava daquela paz, da rotina, de ter tudo do meu jeitinho e saber como seria o dia de amanhã. O previsível sempre me pareceu aconchegante, ou eu me habituei à ele.

Apesar de gostar do novo, nunca tive um espírito muito aventureiro. Mas talvez essa sensação de inquietude que sentia vez ou outra no meio de meus dias tranquilos fosse a falta de costume às coisas estarem bem. Passei tantos anos sem saber o que era isso que ainda me parecia estranho viver em paz.

A agenda do dia foi fielmente cumprida. Não havia muitos clientes naquela monótona terça-feira, portanto, no fim da tarde eu já estava deixando o estúdio em ordem para voltar para casa.

No caminho passei na doceria dos Lopes a fim de comprar alguns daqueles bolinhos de mirtilo que eu amava.

— Já indo pra casa, Ariel? Que vida boa — Mateus revirou os olhos castanhos, expressando tédio, depois de conferir o relógio.

Ele embrulhou os bolinhos e me entregou, em seguida ajeitando os fios roxos por baixo da touca preta.

— Privilégios — ri de maneira debochada, erguendo os ombros e recebendo um leve soco no local. — Cadê o meu Lopes preferido?

Vênus não é estrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora