O Casamento

III

Assim que JK saiu no outro dia cedo, JM foi ao quarto de TH, claro, saber como a noite tinha sido. TH já estava esperando por ele.

"E disse que não tem nenhuma intenção de encostar em mim"

"Ele é louco, todos vão saber"

"Talvez não, eu estava pensando, vamos dividir esse lugar, e acabar por absorver um pouco do outro. Talvez as pessoas nem questionem, como ele disse. De todo modo, ele não se importa. Não está nem aí com o que ninguém pensa. Nem com a paz" e acrescentou depois de um instante, "provavelmente está só ganhando tempo até que possa se livrar do casamento"

"Maldito Jeon", falou JM, "ainda bem que você não teve que dormir com ele"

"Ele disse que eu sou muito magro", TH sentiu-se novamente ofendido quando compartilhou a indignidade.

"Mesmo? Ele conseguiu achar um defeito em você?"

"Tenho certeza que achou muitos", lembrando-se da maneira incomodada com que JK olhou para seu corpo, de cima abaixo.

"Talvez isso ajude você a se livrar desse casamento, se for o que ele quer também"

"Eu só quero sobreviver a esse casamento"

"Não fale assim, por favor"

"Desculpe, JM"

JM achou melhor mudar de assunto, tinha uma ideia para distrair TH, algo que eles não faziam havia muito tempo. "O que você tem que fazer hoje?"

"Nada. JK deixou claro que não quer que eu passe perto da sede", respondeu, as pontas dos lábios voltadas para abaixo na expressão entristecida.

"Além de louco, é burro então. Será que ele pensa que vai conseguir sem você?"

"Ele pode, as pessoas estão exaustas, não querem mais saber de conflito. E agora que o verão está aí, não há risco de a cidade ficar sem suprimentos de repente"

"Pelo menos vamos poder descansar um pouco. O governo estava consumindo tudo de você"

"Eu não sei o que fazer com um dia livre"

"Pois eu sei, vamos pedir a HS para ir conosco para a montanha. Vamos aproveitar que ele não quer sua ajuda e que por pelo menos um dia ninguém precisa de você"

A montanha era a entrada do vale, onde havia vegetação densa e água limpa, e eles poderiam passar o dia sossegados na cachoeira, o que não faziam havia muito tempo. Ficar em pele de lobo, entrar na floresta e esquecer os problemas.

A montanha era local de culto à deusa, e a cachoeira tinha grande significado para os iniciados, como era o caso de JM e TH. Desde crianças eles fizeram parte do sacerdócio, participaram de rituais, estudaram o Livro da Visão, preparando-se para o papel que exerceriam como ômegas da família do príncipe na organização dos festivais e rituais da religião. Isso com certeza não mudaria.

Era ainda um lugar de prazer e permissão, onde os lobos podiam ficar a vontade. Mesmo assim havia regras, a área reservada aos cultos era também reservada aos que se encarregavam deles.

Depois, eles deitaram nus na cachoeira, a pele humana sentindo ao mesmo tempo o calor preso na pedra e o frio da água da nascente. TH relaxou das tensões dos últimos meses, como se tivesse um novo corpo, e não ficou mais pensando em JK.

***

Sem suprimentos a cidade não ficou, mas o excesso de chuvas causou outros problemas. Um dos aquedutos tinha um vazamento, os moradores da área próxima não notificaram ninguém e utilizaram a água extra na cutelaria. O vazamento cresceu com o tempo e piorou com a chuva, e agora ameaçava não apenas a entrega de água para a população, mas a integridade das casas que ficavam perto, já que o duto poderia colapsar e causar uma tragédia. Eventualmente os moradores procuraram o governo por uma solução. Outros vieram para acusá-los justamente de roubar a água e vandalizar o patrimônio público, causando prejuízo geral. Logo, uma pequena multidão exaltada se juntou na frente da sede, crescendo à medida que os rumores sobre o assunto se multiplicavam, querendo falar com o príncipe ou com quem de direito.