Caleb levou as minhas palavras a sério. Durante a viagem até à minha casa – ou, melhor, à casa da minha prima – ele aproveitou para fazer mil-e-uma perguntas. Sabia que algumas delas eram inúteis, porque ele tinha procurado o meu nome no sistema e não precisara de mim para confirmar coisas como a minha idade, os meus antigos empregos e o facto de não ter cadastro criminal. Ainda assim, eu gostei da curta viagem de vinte minutos porque sentia quase como se estivesse a fazer uma entrevista de emprego, e eu sempre adorei fazê-las. Os meus pais costumavam brincar e dizer que eu tinha mais charme do que sabia usar e talvez fosse um pouco verdade – entrevistas de emprego eram fáceis, para mim. Não tinha segredos, nem problemas em falar de mim própria.
Foi um pouco surreal. Para todos os efeitos, abandonara o meu irmão na esquadra onde ele estava por minha causa e, por meio de tudo aquilo, tinha arranjado uma possível oportunidade de emprego. Mesmo que ficar duas semanas fechada na casa de um polícia desconhecido – um sargento desconhecido – pudesse ser um pouco irresponsável...não era assim que o negócio normal de amas funcionava? Pais confiavam as suas crianças em desconhecidos com base nas suas primeiras impressões e nas informações que lhes eram dadas, honestas ou não. Da mesma forma, quem quisesse cuidar de crianças teria de confiar que os pais não eram assassinos nem apologistas de tortura.
- Vira ali à esquerda. – apontei para o próximo cruzamento e Caleb assentiu. – Muito obrigada pela boleia, já agora.
- Não tens de agradecer. – encolhi os ombros para a sua atitude humilde. O importante era que eu me sentisse bem com a minha própria boa-educação. – É possível que um dos teus pais já tenha sido contactado pela polícia.
- A sério? – ele assentiu, lançando-me um olhar penoso muito rápido. – Fiquei sem bateria durante a noite. Os meus pais devem estar preocupados.
- São próximos? – foi a minha vez de assentir, para a sua pergunta. Em toda a entrevista improvisada, ele nunca fizera perguntas pessoais como aquela.
Não conseguimos falar muito mais. Ele virou à esquerda, no sítio certo, e uns metros à frente estava o portão de ferro grosso da casa da minha prima. Infelizmente, ela tinha tido demasiados sustos com perseguidores para não apostar na sua segurança. Tinha sempre dois seguranças com ela em todas as situações e só com muito esforço a conseguira convencer que eu ficaria bem enquanto ela estivesse fora, sem ninguém a vigiar por mim. Ninguém queria saber de mim, Emma Flores – mas muita gente queria saber de Camila Flores. O perigo, infelizmente, segui-la-ia onde quer que ela fosse.
Coloquei o código do portão no pequeno leitor digital e esperei, em silêncio, que o portão abrisse o suficiente para Caleb avançar com o seu carro. Noutra situação qualquer, eu insistiria para ser deixada fora do portão e subiria a pequena colina até à casa a pé. No entanto, não queria correr o risco de piorar as dores que sentia no corpo, da queda da noite anterior, e algo em mim me dizia que Caleb nunca concordaria em fazê-lo, de qualquer forma. Sorri, para os meus próprios pensamentos, e virei-me para ele para o poder observar mais uma vez. De perfil, a sua expressão parecia um pouco menos imponente: as suas covinhas eram o centro da sua bochecha direita, apesar de já ser visível um início de barba. Os seus olhos pareciam mais claros contra a luz matinal que batia no carro e o seu cabelo parecia quase branco.
- Vou levar a Candy ao médico. – anunciou, de repente, enquanto terminava de estacionar junto da porta da frente. – Hoje, consigo tratar dela sozinho. Achas que amanhã podes passar em minha casa?
Por já estar a olhar para ele, consegui apenas soltar um guincho pequenino. Sibilei para a dor repentina na minha cabeça, mas não dei demasiada importância àquela fraca dor. Caleb franziu as sobrancelhas, talvez preocupado, mas retirei todas as dúvidas acerca do meu bem-estar quando retirei o meu cinto de segurança e estiquei os meus braços para o abraçar. Foi um movimento instintivo, mas pareceu-me correto. Ele estava a oferecer-me um trabalho mesmo depois de ter presenciado toda a noite anterior e de conhecer o meu irmão. Poucos homens, poucos polícias, fariam o mesmo.
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Laços de Ferro
RomanceEmma não quer saber do que ninguém diz, mesmo que digam a mesma coisa todos os dias, a toda a hora: ela não vai ficar onde não é feliz. Seja isso a faculdade, um bar ou a casa de um polícia demasiado atraente, com uma filha adorável. (Spin-Off da Co...