Olhos avelã, quase verdes, furavam infinitos buracos em todo o meu corpo. Não me importei. Com as minhas mãos em cima dos meus joelhos, sentada numa poltrona bege, deixei que os buracos continuassem e mantive o meu sorriso suave. Eram cinco da tarde e, depois de um dia intenso e deprimente para a Família Flores, foi a vez de a Família Pattinson pedir o meu tempo e a minha atenção. Com uma mala de desporto preta aos meus pés – não iria precisar assim de tantas roupas, afinal – e a minha pequena mala laranja em cima do meu colo, estava pronta para qualquer eventualidade. Nada iria acontecer, no entanto. Estávamos apenas a jogar ao Jogo do Sério.
E Ariana estava a ganhar.
Sem que eu pudesse evitar, um sorriso rasgou os meus lábios. A criança à minha frente soltou um guincho alegre e começou a gargalhar – era a terceira vez que ela ganhava e a terceira vez que tinha aquela exata reação, mas eu não me importava. Ela era absolutamente adorável, com as suas bochechas rechonchudas e olhos gigantes, mas tinha uma perspicácia que qualquer pessoa perceberia que herdara do seu pai. Com oito anos, Ariana Pattinson – apelidada de Candy, embora o apelido ainda não tivesse sido aceite pelo meu cérebro – era noventa porcento criança, dez porcento polícia. Nada lhe escapava e, depois de me conhecer por três minutos, decidira desafiar-me ao que ela considerava ser o maior teste de caráter. O Jogo do Sério.
- O Tio Steve diz que é importante conseguirmos manter-nos sérios mesmo quando algo tem muita, muita piada. – anunciara ela, como se estivesse a partilhar a mais importante dose de sabedoria.
Não demorei muito mais que cinco minutos a perceber quão importante Steve era na instrução da pequena Ariana – e que isso significava que Caleb era pai solteiro ou, no mínimo, possuía a custódia maioritária da sua filha. Todas as coisas que ela procurava ensinar-me começavam com um "o tio Steve diz" ou "o meu pai diz" e era a coisa mais adorável de toda a minha semana, se fosse ser sincera. Os meus primos, em crianças, tinham sido apenas miniaturas dos seus pais – rebeldes, teimosos, casmurros e com demasiada energia para o tamanho das suas pernas. Ariana não parecia ser o tipo de criança que começaria a correr por um prédio de quatro andares, nua, a gritar por um gelado. Esperava eu.
Apresentar-me foi fácil, porque ela pareceu gostar da minha cara. Gostava da sinceridade de crianças; podiam não saber expressar-se da maneira mais socialmente aceite ou até com palavras corretas, mas guiavam-se pelo seu instinto. Conseguiam ler a energia de uma pessoa nos primeiros momentos, sem serem deslumbradas por aparências ou sorrisos perfeitos; conseguiam saber se deveriam recolher-se ou abrir espaço para uma nova amizade. Ariana olhara para mim, para o meu sorriso, pedira ao seu pai para lhe pegar ao colo para poder olhar-me ao mesmo nível, e decidira que eu seria sua amiga. Com oito anos, ela parecia-me ser mais inteligente e prática que muitos adultos.
- Estás a envergonhar-me. – tapei a cabeça num gesto dramático que a fez rir. – Como é que ficaste tão boa nisto?
- O meu pai ensinou-me. – lançou-me um sorriso desdentado e feliz. A sua cara já tinha algumas borbulhas que Caleb disse que não tinham estado lá de manhã, e notava-se que ela já fazia algum esforço para não se coçar, mas parecia ser uma criança bem-humorada. – O teu pai não te ensinou?
Não era a primeira vez que ela me fazia uma pergunta daquele género. Ariana era uma criança curiosa e, o que quer que fosse a sua situação familiar com a sua mãe, ela não parecia deixar que isso reduzisse o seu mundo. Sempre que me dizia que o seu pai lhe ensinava alguma coisa, gostava de saber se eu tinha aprendido o mesmo. Parecia querer saber constantemente como as outras pessoas viviam, se o faziam como ela ou se era algo diferente. E, quando eu respondi que o meu pai não me tinha ensinado o Jogo do Sério, porque ele era a pessoa mais sorridente que eu conhecia, ela ficou completamente chocada. Como se a ideia de um pai diferente do seu – estoico, imponente, sério – fosse absurda. Gargalhei.
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Laços de Ferro
RomantikEmma não quer saber do que ninguém diz, mesmo que digam a mesma coisa todos os dias, a toda a hora: ela não vai ficar onde não é feliz. Seja isso a faculdade, um bar ou a casa de um polícia demasiado atraente, com uma filha adorável. (Spin-Off da Co...