0.1

72 8 5
                                    

Luke

Nós somos aquilo que o destino faz de nós. Podemos vir a ser grandes homens, talvez mudar o mundo com uma grande descoberta. Ou então vir a escrever grandes obras, superar Shakespeare no mundo do imaginário, explorar as nossas mentes como nenhum outro antes fez. Talvez pisar outros planetas pela primeira vez, poder impregnar em solo desconhecido a bandeira do nosso país, tal como Neil Armstrong fez um dia.

Eu lembro-me de ter um sonho. Sempre fui uma criança criativa, sempre me permiti imaginar mais longe, sonhar mais alto. Mas essa criança que tanto fantasiava tinha um sonho tão simples e banal, quanto tornar-se um professor. Ensinar, dar a conhecer o mundo àqueles que dele sabem tão pouco. Construír um futuro para pequenos homens e mulheres que crescerão para se tornarem alguém na vida. Criar pilares seguros para que esses pequenos seres que tanto têm para aprender possam contruír uma vida segura e bem estruturada. Abrir caminhos, esse era o meu sonho.

Mas como a vida não é aquilo que nós fazemos dela - nós somos aquilo que a vida faz de nós - os meus sonhos foram rasgados brutalmente num simples movimento, enterrados no fundo de um buraco que eu nunca terei forças para escavar. Uma simples anomalia que cresceu no meu corpo, foi o suficiente para eliminar para sempre quaisquer hipóteses que eu tinha de ter um futuro feliz, com todos os objetivos que tracei desde cedo na minha mente.

Cancro.

Como é suposto uma simples criança de seis anos saber o quanto um mero pedaço de pele a mais pode virar do avesso toda a sua vida? Este tecido agregado ao meu cérebro foi tudo o que a vida precisou para cortar os meus caminhos, fazendo do meu futuro um verdadeiro labirinto, em que as chances de eu alcançar o centro são menores do que as de ganhar a lotaria.

Eu poderia considerar humor negro a forma como uma simples doença pode dançar na tua cara e gritar-te como estragou tão facilmente os teus sonhos. Esfregar na tua cara o quão fácil foi transformar a tua vida num poço de infelicidade e incerteza.

E é por causa dessa estúpida doença que os meus tristes dias são passados comigo encubado neste hospital, cujo cheiro outrora me incomodou, mas não mais me perturba - pelo menos não tanto como o facto de que a morte se fundiu com a minha sombra e me persegue para todo o lado.

"Muito bem, Luke, acabamos por hoje." Doutora Williams ofereceu-me o sorriso confortável de sempre e eu levantei-me da cadeira onde me encontrava. "Vemo-nos amanhã, okay?" assenti brevemente, encaminhando-me para fora da sala.

"Até amanhã." Despedi-me brevemente, recebendo um aceno em resposta.

Os meus passos eram lentos pelo corredor, enquanto eu pensava qual seria o meu passo seguinte. Teria que voltar para o mesmo quarto de todos os dias, provavelmente ajudar a Sra. Brown a caminhar um pouco pelos corredores melancólicos do hospital, comer a péssima refeição que me servirão e passar o resto do dia a suspirar de tédio até que os meus pais me venham visitar.

Suspirei descontente, parando por uns segundos quando passei pela ala das crianças.

Eu poderia ver a pequena Alice antes de ir, certo?

Eliminei quaisquer incertezas que pudessem pairar na minha mente, arrastando os pés até ao quarto estranhamente familiar. Um sorriso não muito habitual espalmou-se na minha face quando vi a pequena morena sentada no chão com o seu tutu, enquanto puxava os cabelos das bonecas de alguma menina que chorava desalmadamente.

Limpei a garganta, e a menina logo ergueu a cabeça, levantando-se num salto e correndo até mim de braços abertos.

"Luke!" tomei a pequena nos meus braços, recebendo um abraço apertado. "Tive saudades tuas." Reclamou, oferecendo-me um beicinho adorável.

COMA ✖ Muke ClemmingsOnde histórias criam vida. Descubra agora