Prólogo

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     Não havia mais ninguém naquele cômodo, olhei em volta, por toda a escuridão na esperança de ela estar em algum lugar. Mas não... Âmbar se foi.

     Minha garganta travou e senti que sequer a saliva seguiria seu caminho convencional quando notei sobre a cama um tecido branco dobrado, e, ao lado, um pergaminho bem enrolado.

     Roubei uma das solitárias velas do corredor e abri o pergaminho não sabendo dizer se realmente gostaria de descobrir seu conteúdo.

     "Caso você esteja lendo isso, muito provavelmente eu já esteja morta ou, se meu plano tiver dado certo, estarei longe demais para ser encontrada.

     Então, por favor. Não me procure.

      Precisei escrever essa carta para contar tudo o que você merece saber. Tudo o que menti e tudo o que escondi.

     Me chamo Âmbar, isso não foi mentira, recebi esse nome de minha mãe pela coloração dourada de meus olhos, creio que já tenha relacionado ambas as coisas, mas o que você não sabe, é que sou Âmbar de Sluderfry, sim, sou a filha do Duque Rivério de Sluderfry, nascida e criada no reino de Alencar, e não, eu não me orgulho disso.

      A essa altura você já deve saber que não sou uma feiticeira, ao menos não uma branca como disse ser. Que apenas sou uma menina derrotada que teve a sorte - ou azar - de saber seu próprio futuro, e tomou por isso a ousadia de tentar mudá-lo. Sem a garantia que daria certo ou não.

     Imagino que também, que sua mente deva estar dando voltas, mas explicarei com detalhes o que fiz, e porque fiz.

     Meu desastre começou semanas depois do meu aniversário de dezenove anos... Meu pai, o duque, cujo tinha uma posição de pouca relevância ou influência nos exércitos do Rei, se viu tentado a me vender em casamento para um outro duque, chamado Valodimir de Dusan, sim, exatamente ele.

     Valodimir de Dusan era aproximadamente trinta anos mais velho que eu, e já tinha cinco filhos de três casamentos falidos. E bem, eu seria sua quarta esposa.

     Como não tinha outra opção, me vi sendo levada ao altar para receber aquele homem cruel como marido, e, três dias após nosso matrimônio a guerra começou.

      Já era de se imaginar que eu não teria um casamento feliz, mas não imaginava que seria tão insuportável assim. Ele me batia e forçava a ter relações, e, novamente, me batia quando via que eu era incapaz de dar-lhe filhos.

     Minha vida estava destruída, todos os sonhos que nutri na juventude foram estraçalhados quando a vida adulta chegou...

      Eu sentia falta de uma mãe que não me lembro, e até mesmo do palacete que cresci. Eu simplesmente sentia falta da solidão.

     Mas, durante os cinco anos que a guerra durou fui obrigada a marchar com os soldados, a servir meu marido como sua criada particular, a ser seu capacho.

     E, era por isso que eu sabia de todos os planos de guerra inimigos, eu escutei, assisti e presenciei cada um deles.

      A parte mística de minha declaração não se deve a esses causos, todos os detalhes e trabalhos que prestei a você e ao seu irmão, se devem unicamente a minha boa memória e a nada mais.

      Os cinco anos se arrastaram entre mortos e feridos, a cada trincheira e membros amputados, a cada olho roxo e noites no chão duro. Até o fim, até que os exércitos de Bellant tivessem invadido a capital.

      Estava perto de completar vinte e quatro anos quando o vi, príncipe, subir os degraus da escadaria real e elevar a cabeça decapitada do Rei de Alencar para quem quisesse ver. Eu estava lá, de joelhos, machucada e humilhada. Sendo condenada à morte por uma guerra que sequer travei.

     Eu o assisti ser coroado, a ser ovacionado e idolatrado em seu trono no alto do palanque, com os olhos duros e o sorriso arrogante, adorando a sequência de mortes que se seguiram.

      Você poderia não ser o vilão, não até aquele dado momento quando deu a permissão para que todos fossem executados. Não só generais e soldados, mas também velhos, mulheres e crianças. Impiedosamente assistidos por você.

      Seu rosto maldoso foi a última coisa que vi antes de ter sido arrastada para a escuridão sem fim.

      Morri derrotada por uma guerra que não era minha. Condenada a uma existência de dor e solidão.

      Isso teria sido um final trágico e maldito para uma garota que gostava de pintar e escrever poesias, para a garota que brincava de escalar pelas torres do palacete abandonado e conversar com os passarinhos como se eles pudessem guardar segredos.

       E, dessa vez, por mais sorte do que azar, encontrei algo, um colar velho com um cristal da mesma cor que meus olhos e com o cordão tão laranja quanto meu cabelo ou o fogo, que na época sequer sonhei que seria a chave para a minha segunda chance.

      Pensei ter ouvido os passarinhos cantarem "mamãe", parece loucura, não é mesmo? Mas para uma criança sozinha aquilo bastava, e eu passei a guardá-lo e protegê-lo com minha vida. Papai não podia saber, senão ele o destruiria como fez com um livreto que aparentemente pertenceu a minha mãe anos atrás. Então mantive esse segredo, para mim e aos passarinhos.

     As estações mudaram, e aos meus quinze anos durante uma viagem próxima a zona neutra, aproveitei um breve amanhecer em liberdade e resolvi passear antes que todos acordassem e começassem a recolher o acampamento, acabei me deparando com uma formação rochosa curiosa no alto de uma campina. Ela estava em um círculo perfeito, com pedras retangulares que dariam dois de você em altura, lá dentro, o silêncio era absoluto, como se houvesse alguma proteção ou algo do tipo.

      Meu colar esquentou em torno do pescoço, e eu vi tudo rodar antes de finalmente vê-lo. Era uma criança, um menino de prováveis onze anos, com os olhos azuis e gelados. Ele me olhava curioso tanto quanto eu o olhava de volta. E então ele disse que daria qualquer coisa pelo meu colar, que eu só precisava pedir.

      Hoje eu agradeço pela minha futilidade e inocência da época em querer saber sobre o meu futuro marido, ao invés de perguntar sobre mamãe ou qualquer outra coisa.

      Porque eu vi, eu vi tudo isso que lhe contei. Eu vi, com tamanha intensidade como se eu tivesse vivido tudo, e então, voltado para contar.

      De alguma forma aquela criança conseguia manipular a magia, conseguia criar e destruir, só não conseguia encontrar alguém.

      Um alguém que ele disse que aquele colar lhe mostraria o caminho, um alguém que teria pertencido à mesma linhagem que eu há mil anos atrás, um alguém que ele amava.

      E depois de ter visto tudo o que vi, de ter experimentado toda aquela dor, eu apenas conseguia pensar em uma coisa, fugir. Tracei rotas e planos para escapar daquele maldito casamento que me aguardava, e de um reino que cairia futuramente. Eu estudei, treinei o quanto foi possível, roubei e troquei utensílios por dinheiro, fiz tudo o que estava ao meu alcance.

      Eu não queria morrer e muito menos ter que viver aquele futuro cruel, eu só queria poder escolher o meu destino.

      E foi o que fiz..."

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Bem vindos(as) ao livro 2 da série Reencarnações Fantásticas. A continuação de Eu não amo você <3

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Avisos

- Eu não amo você teve uma modificação da data de lançamento.

SETEMBRO! Anote ai!!!

Eu Não Vou Sobreviver (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora