DOIS

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      Seu grande peso conteve meu corpo preso contra o chão. Era isso, eu estava morta. Com toda certeza. O rosto que tive pesadelos está a poucos centímetros do meu, quase respiro o ar que ele exala e seu corpo molhado termina de arruinar o resto do meu vestido. Pisco demoradamente, não acreditando que aquilo estava acontecendo, em quem estava em cima de mim.

      No último vislumbre de minha trágica vida, foi o rosto de Caym Cerberus que vi antes de morrer, os olhos afiados, o sorriso de contentamento doentio em assistir tantas mortes para seu deleite. Caym foi uma espécie de monstro oculto me acordando durante a noite, sussurrando promessas assassinas e me causando calafrios, eu aprendi a odiá-lo durante esses anos, tanto quanto eu odiava meu futuro marido.

      Se tivesse outra maneira de fugir eu teria evitado Bellant com todas minhas forças, teria tomado e tentado seguir a Oeste, pelo decrépito reino de Cillol, mas além de pegar um caminho mais longo eu estaria a mercê dos exércitos de Alencar, com Bellant o buraco era bem mais em baixo, por assim dizer, se não fosse a zona neutra, os dois reinos já teriam se matado há muito tempo, Alencar não se atreveria a entrar para me procurar pacificamente pelas estradas como se tudo pertencessem a eles, precisariam de um documento real, uma permissão formal do Rei Aldrich Cerberus, e isso acabaria levando dias, as vezes até semanas. Tempo o suficiente para eu já estar do outro lado do mundo.

      E, se decidissem seguir com o plano e atacar o grupo religioso dos príncipes durante a caminhada da Luz, exatos três dias após meu maldito casamento, ataque esse que acarretaria o início da guerra, então eu não seria a preocupação principal nem do meu futuro marido, muito menos de um pai que me desprezava, e, consequentemente, eu já estaria bem longe também, sã e salva.

      Mas não, a Santa só podia me odiar. Por todo o vasto território de Bellant, e em qualquer lugar que a caravanas dos príncipes poderia estar, tinha que ser logo aqui, exatamente onde parei para que eu e minha montaria bebêssemos água.

     — Diga o seu nome! — a voz dele era grave e baixa. Busquei em minha memória se já havia ouvido antes, mas acredito que não.

     — Saia de cima de mim, homem promíscuo.

      Um vinco se formou em sua testa, e acabei assistindo uma solitária gota de água escapar de um dos fios negros de seus cabelos colados ao rosto, fazendo caminho por aquela linha soberba.

      — Você é uma espiã de Alencar?

      Eu quis rir com a suposição, ah claro, que grande espiã eu seria.

      Caym se elevou um pouco, mas ainda usava um dos braços para segurar minhas mãos sobre a cabeça e as próprias pernas para me imobilizar, e então me analisou. Meu rosto cansado e furioso, meu vestido destruído.

     — Isso é um vestido de noiva?

     — É assim que você trata uma mulher?

     Seus olhos capturaram os meus, e pensei que ele conseguiria ler minha mente. A escuridão tornou-se sufocante.

      — Não vai responder nenhuma de minhas perguntas?

      — Você não fez nenhuma que mereça resposta.

      — Então, tudo bem.

      Um sorriso maldoso surgiu em seu rosto, e o frio em minha coluna apossou dos meus sentidos. Mas não, eu não tinha medo de Caym Cerberus por ser quem me condenaria à morte, eu tinha raiva. Muita raiva. Eu não era mais a garotinha inocente que desejava aprovação e o amor de um pai ausente, a esposa submissa de um duque sem escrúpulos, e muito menos a vítima condenada à morte por Caym.

Eu Não Vou Sobreviver (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora