Brasas

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 Já faziam horas de viagem, o movimento irregular da carroça fazia seu estomago revirar ao lembrar dos seus dias no mar. Os olhares que sentia pareciam perfurar sua pele de tão sérios e penetrantes. Os homens ali estavam todos com raiva e frustrados, arrastados de suas terras e vendidos como instrumentos.

Uma das rodas bateu em uma pedra grande que fez todos ali atrás pularem. Com seu corpo pequeno foi arremessado no meio dos outros escravos, que o empurraram com os pés para longe.

— Sai de cima moleque — disse o que chutou mais forte. Tinha pelo menos um metro e noventa de altura, como conseguiam domar um homem daqueles é que era a dúvida. Seu corpo musculoso tinha diversas cicatrizes, ao olhar para suas mãos livres foi que entendeu, era um lutador.

Ulf foi empurrado até cair próximo ao homem negro, este que o trouxe para mais perto ao invés de o agredir como os outros. Fez o gesto encarando o horizonte, como algo natural a se fazer, sem precisar saber da situação ou por obrigação.

Seguiram até avistar um enorme terreno. A casa era enorme mesmo ao longe, evidenciando o poder monetário de seu senhor. Já era possível saber no que trabalhariam: coletando trigo, retirando lã das ovelhas, cuidando dos animais e os mais diversos trabalhos.

Todos estavam boquiabertos com aquele lugar, menos o homem de lábios carnudos, parecia já ter visto esta cena várias vezes. Seus olhos demonstravam a prisão que era sempre seu destino.

Quase para passar pelo portão, um velho coberto com peles diferentes, cabelos bagunçados e descalço estendeu a mão, pedindo alimento aos viajantes. Baixou o rosto ao ser ignorado, iria continuar sua caminhada quando Ulf estendeu a mão e lhe deu o pouco pão que havia guardado.

O sorriso que recebeu fez seu corpo eriçar, como um sexto sentido. Observou o idoso sumir de vista enquanto adentravam o novo território, sumiu dali da mesma forma que apareceu, de repente.

Foram para bem distante adentro da propriedade até passarem por um enorme casarão, tão bem construído que arquitetos do mundo invejariam. Quanto dinheiro havia sido investido ali? O homem poderoso que o governava poderia ter qualquer pessoa na palma de suas mãos, tanto poder não deveria estar concentrando em somente uma pessoa. Ulf tinha pensamentos assim devido a sua vivência com os líderes de sua terra Natal.

Por fim, foram deixados sentados em fileira num enorme tronco deitado ao chão, ao redor de uma fogueira que estalava forte, o calor emanado era imenso. No meio deste, barras de metal queimavam em um tom vibrante e incandescente. Estava na hora de decidir suas jornadas de trabalho, mesmo que agora, já tarde da noite, não poderiam ir se deitar sem ter noção da sua nova realidade.

Neste momento, vários outros homens surgiram, dois para cada ali. Estes seguraram os novatos com força, enquanto um por um iam sendo marcados. Não importava o quando tentavam, suas forças foram embora após tantas horas de jornada, fome e privação de sono.

O cheiro de carne queimando causava náuseas em Ulf, o barulho era como uma tortura. Esforçou-se para não vomitar ali mesmo. Quando chegou sua vez, conseguiu juntar um amontoado do tecido de sua camisa na boca, para morder e canalizar toda sua dor ali. Foi quase inútil.

A dor era indescritível, mas sua raiva crescia exponencialmente. Quanto mais afundaram aquela marca, mais seus olhos faziam uma expressão assustadora. Não soltou um único grunhido ou reclamação, aguentou com tudo que tinha como uma prova de que não era fraco. Håkon o olhava de cima com aprovação, seus instintos tinham razão sobre o garoto.

— Já podem levar esse. — Sua voz imponente se sobressaia com qualquer outro dom dali. Os homens acataram suas ordens e ergueram o pequeno que quase não conseguia andar de tanto esforço aplicado.

A Caçada de HatiOnde histórias criam vida. Descubra agora