Tremores

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O barulho do machado ecoava por terra, fazendo pássaros voarem assustados e movimentarem a floresta com o balançar de seus corpos. Mais alto que isto somente a voz que dizia as mesmas palavras incansavelmente já fazia um bom tempo. As ordens eram para um garoto coberto de sujeira, lama e sangue.

— Prossiga! Corte! Prossiga! Corte! — As palavras as vezes variavam. — Bata!

Estava sob uma chuva tempestuosa que não tinha pena dele assim como o homem que berrava. O garoto desferia golpes pesados em um enorme tronco de madeira que parecia pouco se importar com aqueles danos. Prosseguiram até que a água parasse de cair e seu corpo desabasse exausto no chão. Observou os diversos cortes que havia feito na enorme arvore, sua espessura era maior que seis homens lado a lado, nada que fizesse surtiria efeito.

— Garoto! Você é um Hatewolf! Tem que trabalhar em dobro e sabe disso! Estou te treinando para o seu bem, nós temos uma carga pesada nas costas e ninguém reconhece — o homem gritava e se enfurecia com o olhar de raiva que recebeu do jovem. — Eu? Já estou velho e agora cabe a você esta tarefa... então prossiga! — ele gritou mais uma vez. — DE PÉ, ULF!

Ulf levantou, exausto, mas engoliu qualquer reclamação ou sofrimento e jogou o machadinho que se fincou em outra árvore, da cintura desembainhou uma espada. Seu alvo agora era um dos servos e amigo da casa que havia se aproximado enquanto ele treinava e, sem piedade, fez um corte em sua bochecha.

O branco de seus olhos tomava um tom amarelado pela luz da noite e das tochas que iluminavam o local, enquanto sua cabeça funcionava a mil por hora ele buscou nas costas um escudo que tomou sua frente, a forma circular era típica de sua região. Todos os golpes que vinham em sequência foram bloqueados, mas não era o bastante, tinha que atacar.

Esquivou de um corte e avançou esperançoso, mas recebeu um soco na cara e foi ao chão pela quinta vez no dia.

— Baixou sua guarda, garoto... — Com isto, a última visão que teve foi de um chute na cara que o fez apagar, o que encerrava o treinamento do dia.

e

Ele acordou mais tarde, com a visão um pouco turva e apoiando a cabeça no colo de alguém. Era uma mulher que ele logo reconheceu, a curandeira. Tinha a pele coberta com tatuagens de múltiplos significados. Vez ou outra ela utilizava esses desenhos marcados em seu corpo para dar aulas de história para o garoto e quem mais quisesse ouvir. Não havia muitas crianças por ali, apenas os filhos dos servos. Ele era o único da linhagem sanguínea considerada nobre da casa.

Seu tio havia o carregado nos braços e deixado ele ali para receber cuidados, ele não era uma pessoa afetiva, mas demonstrava carinho a seu próprio modo. Como na vez que refez algumas roupas de couro com as mãos, para que coubessem no sobrinho que estava crescendo rápido ou das diversas vezes em que o salvou de animais assustados durante uma caçada, nunca repreendendo e sim ensinando o que deveria ser feito.

O homem fez de Ulf seu filho sem reclamar uma única vez, não tendo experiência nenhuma na criação de crianças ele abraçou a responsabilidade e fez seu melhor a cada dia de sua vida. Todas as juntas bem servidas apesar da falta de dinheiro e seu esforço em manter o território mesmo com os servos em maioria, ensinou que conviver entre os mais fracos e os servos não era algo de se envergonhar, talvez graças a isso que os poucos amigos que tinha eram as crianças que moravam ali.

Após se recompor, tomou uma espécie de sopa que a mulher lhe serviu. Poucos eram os que tinham coragem de comer suas comidas, temiam seu nome, Angrboda, mas Ulf a respeitava pois sentia uma ligação estranhamente forte com ela. A sopa trazia alguns medicamentos e ervas para potencializar a cura. Ela cortou o silencio:

— Então, meu jovem... Sua travessia se aproxima, sente-se preparado? Todos insistem em lhe levar para o caminho de Thor, mas lembre-se que deve seguir o deus que seu coração mandar. Escolher aquele que mais o representa é o essencial, nenhuma fúria divina cairá sobre você por isso, então escolha sabiamente... O que seu coração manda?

A Caçada de HatiOnde histórias criam vida. Descubra agora