Imanência

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¬ Ulf passou mais um tempo no casarão. Depois de comer, ganhar uma repaginada no corte e conseguir roupas novas, resolveu que era o momento de ir falar com seu amigo. O problema era justamente falar para ele.

 Passou pelo jardim que havia na entrada e seguiu o caminho de terra que levava aos aposentos dos servos. Observou o quão vasta era aquela terra, e tentou calcular o quanto valeria, certamente sua ideia monetária era infinitamente inferior ao que seria para os nativos dali. Quantas ovelhas e cereais teria de trocar para conseguir um igual? Foi o que sua mente pensou.

 Quando finalmente alcançou os aposento percebeu que quem ele procurava não estava ali, foi assim que ouviu alguns sons vindo do fundo da pequena cabana. A realidade é que todas as pequenas residências ali formavam um pequeno circulo e compartilhavam um quintal em comum em seu centro. Conseguiu distinguir batidas de vozes e avistou então aquele grupo de homens negros, eram considerados raros para Ulf, mas se reuniam ali seis ou sete, dançando e cantando ao som de um tambor.

 Percorriam em circulo e seu corpo tão ritmado deixou o garoto curioso, sentia aquela energia toda cutucar algo em sua mente, talvez um pensamento não desperto, ou um instinto suprimido. Vinha do mais profundo de sua alma e o atraia para aquela roda. Via os pés dos homens se chocarem contra o solo de maneira tão incomum, pareciam realmente envolvidos.

 Já perto o suficiente não conseguia compreender que língua cantavam, eles prosseguiam ignorando totalmente a presença dele ali. Guedo estava no meio da roda, de joelhos e com a cabeça baixa, em seu peito e punhos haviam alguns cordões grandes, feitos de pedras lapidadas a mão e outros matérias. A batida ficava mais forte, com isso foi capaz de ver que haviam ali famílias observando de longe, todos da mesma etnia.

 Aos poucos começaram a chegar e se juntar a roda, as vozes se misturavam em uma harmonia perfeita, mulheres e crianças logo estavam dançando entre si. Aquelas palavras proferidas por eles mexiam com a noção de espaço de ulf, logo se sentia sufocado no meio de tanta gente, mais de 20 pessoas agora estavam indo de um lado para o outro. O coração parecia querer sair pela boca, foi quando tudo se calou.

 O suor escorria pelo seu rosto, notou seu amigo levantar lentamente, ainda de cabeça baixa. De pé se curvou, por um segundo viu algo pequeno correndo entre as casas e arvores, sua velocidade movimentava o fogo da fogueira que havia ali, o jovem pensou ser coisa da sua cabeça, até que piscou e Guedo estava agora usando um chapéu de palha, aquela sombra criança tinha colocado em sua cabeça no meio da correria. 

 Com isso se pôs de pé, sua postura estava mais elegante, seus olhos cobertos pareciam o encarar fixamente. De sua mão um fumo o tomou a boca, acesa sabe-se lá como. Sentiu que aquele ali já não era mais ele, e aquela sensação fez todos os pelos de sua costa eriçarem, nunca havia presenciado tal coisa, parecia um ritual para os deuses, mas sentia que um deles tinha se juntado a eles.

 A musica tinha retornado faz tempo, mas naqueles segundos era como se o mundo estivesse em silencio, apenas os dois se encarando. Até aquele homem falar, e sua voz era tão impactante como sua presença.

- O que "ce" ta fazendo aqui, garoto? "Ce" tá bem longe de casa, "né não"? - O sorriso era tão marcante, parecia que Loki estava a sua frente - Por acaso se perdeu? Se eu fosse você tomava cuidado com essas bandas, nem todo mundo aqui é confiável... - Os olhos continuavam escondidos nas sombras.

¬ Ulf não sabia o que responder, ou como compreendia o que estava sendo dito, mas a voz causava uma perturbação em sua mente, como se ele não devesse estar ouvindo, como se fosse contra sua natureza estar ali. Reunindo a energia que conseguia ele respondeu.

- Vim falar com o Guedo, temos assuntos a tratar, eu... preciso da ajuda dele, acho que vai ajudar ele também - Encerrou fechando os punhos para segurar a tremedeira nas mãos.

A Caçada de HatiOnde histórias criam vida. Descubra agora