Não sou muito de festas, mas essa foi essencial a minha participação. De início a Alicia e o Gregori insistiram muito que eu participasse, mas obviamente não foi essa insistência que me fez aceitar o convite; foi a necessidade. Eu precisava ver de perto aquela casa, observar com meus próprios olhos tudo que cercava ela, tudo que estava nela; quem estava nela. Para um bom ladrão, conhecer os seus futuros bens é o ponto inicial, não adianta correr atrás de um objetivo se não se sabe os caminhos que dele surgem, já dizia o meu avô, que Deus o tenha.
Quando Alicia me falou dessa tal festa lá no escritório da empresa, achei que era só mais uma das investidas dela na cachaça, e não pensei nisso à toa. Já recebi várias ligações dela no meio da madruga chorando, com discursos melodramáticos e claramente sem rumo. Ela começava com um eu sabia que isso aconteceria, sabe Jam - soluçava - me avisaram que isso poderia acontecer - dava uma fungada profunda - mas eu queria pagar pra ver, sabe, EU QUERIA e terminava, depois de várias outras baboseiras, com um você sabia que a Patrícia traiu o Jorge, Jimmy? - ela sempre dava vários apelidos ao meu nome, Jamie, isso mesmo sem estar melada.
Provavelmente ela ia pra uma festa diferente todo final de semana; já chegou a aparecer na empresa das mais lamentáveis formas, e chapada era menos pior delas. Teve uma segunda-feira em que esbofeteou a porta do meu escritório enquanto eu escrevia um artigo para a Veja, essa situação foi bem estranha porque enquanto ela fazia um discurso de que não se envolveria com mais ninguém onde quer que fosse, eu estava escrevendo uma redação detonando a má administração do governo do país que recentemente recusou a compra de cinco toneladas de sardinha para sua comercialização como enlatado, e explicando para os leigos, de forma simples, como isso poderia ser desperdiçar um bom investimento nas zonas mais remotas do país, beneficiando um e o outro. Fiquei imaginando que quem leria a matéria não faria ideia do que rolava enquanto aquelas palavras bonitas e chamativas eram escritas - o que era mais cômico ainda quando eu pensava no artigo sobre a propina em cima do preço da agulha de crochê que eu escrevia enquanto roubava um crucifixo de ouro em uma mesa de bar próximo a minha casa.
Certa vez também ela chegou no prédio vestida em uma saia e sem camisa, segurando em uma mão uma bolsa com as unhas cerradas no couro enquanto a outra tremia segurando os saltos, no rosto eram visíveis olheiras e uma massaroca preta que escorria pela cara chorosa. Eu, que bebia um café com os braços apoiados na bancada da secretaria, me engasguei na tentativa de segurar um riso quando olhei pra trás e vi aquele vulto vindo na minha direção, ela abria a boca na tentativa de falar alguma coisa, mas não saía nada; a sorte foi que não havia pessoas além dos funcionários que trabalhavam ali, eles tiveram um breve susto, mas quando a ficha de quem era ia caindo, não ficaram surpresos.
Se fosse em qualquer outra empresa na qual eu não fosse dono, certamente Alicia já teria sido expulsa no seu primeiro dia de trabalho, mas como ela é muito minha amiga e alguém em que tenho total confiança, não me importo com essas baboseiras em que ela se mete; os outros funcionários, acredito eu, também não devem ligar mais, tenho certeza que trabalham com o que gostam, ganham muito bem, e desde que a garota problemática da Azzis não mexa com eles, não têm com que se preocuparem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Durma bem à noite
HorrorJamie é um adolescente que vivencia alucinações que fazem toda a sua consciência ser transportada pra uma realidade na qual ele não possui controles. Ele sabe que funciona como um sonho, porém, é algo muito vívido. Ele tenta conviver com isso, mas p...