Capítulo 7

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    Antes de ir em direção a porta que dá acesso ao corredor de espera do colégio, levo a mão ao meu peito, dou, nervosamente, algumas apalpadas e noto que não há sequer um buraco na minha camisa.

    Um alívio corre em mim, sinto meu corpo como se acabasse de soltar um fardo depois de horas o carregando.

    Toda essa sensação vai por água abaixo quando percebo que a minha situação ainda não é nada boa. Fora o fato de dois sonhos totalmente distintos e de amplitudes diferentes terem me acorrentado em um único dia - isso por si só já seria algo que iria me perturbar o restante dele - ainda teria que inventar uma boa desculpa para o meu atraso, já que minha atual situação no colégio não é nada boa. E antes de tudo, ainda teria que lidar com o velho porteiro que me encarava havia minutos.

    Com o estômago voltando a gelar, viro o olhar novamente em direção ao rosto enrugado que me encarava mais a frente. Tento soltar a marcha e acabar com tudo isso de uma vez.

    Crispo os lábios enquanto observo as rugas que compilam teias de aranha no rosto confuso que ia se aproximando cada vez mais. Edgar, até onde eu sabia, era o nome do senhor que cuidava da portaria do colégio havia anos. Naquele momento ele parecia ainda mais velho franzindo a ponte entre as sobrancelhas; os cabelos grisalhos bem lisos sobre um cocuruto já calvo, junto a sua postura curvada, davam-lhe um aspecto de ovelha perdida no pasto.

    Passo ao seu lado sem dizer palavra; ele ainda perdido com o que acabara de acontecer. Meu estômago acaba de largar o seu peso anterior quando deixo escapar um riso abafado, quase inaudível - assim achava - por causa da cara cômica que Edgar parecia ter quando visto de perto.

Quando cheguei à sala de aula, a professora de português estava fazendo algumas anotações no quadro, tal como os alunos. Estes que viraram sua atenção para mim ao me ver passando pela porta e indo direto a uma mesa mais ao fundo.

Contrariando o meu pensamento, a professora não me perguntou nada nem pediu explicações sobre o atraso; apenas parou de escrever seja-lá-o-que-fosse com uma das mãos ainda segurando o giz no quadro. O rosto mirando o meu, ela lançou um olhar pensativo tentando decifrar por si só a minha situação, depois molhou os lábios e tornou ao que estava fazendo.

Logo em seguida, sussurros e risadinhas circularam pelo ambiente. Obviamente, eu ser o alvo deles, não me deixava surpreso. Os olhares, pouco preocupados em se disfarçar ao cruzar o meu, vinham a calhar sempre que algo me deixava momentaneamente como o centro das atenções. Não que chegar atrasado em uma aula de português vai fazer você ser popular ou coisa do tipo. Mas o simples fato de ser eu a pessoa a puxar os holofotes para si, causava sempre uma má impressão.

- Então Jim-Jim - sussurrou Fill, um pateta metido a besta que, mesmo me odiando, não esquece de tirar meu nome da boca. Ele acabara de trocar a mesa em que estava com um garoto papudo que sentava à minha frente - Esqueceu outra vez de pegar o ônibus certo, ou dessa vez deu um passeio pela cidade com o motorista? Ou será que ficou na dispensa esperando todo mundo entrar pra tentar, de novo, parecer um diferentão, quebra-regras... o valentão mimado?

- Ha-ha, já tentou o circo? - rebati com a voz calma - Não era você que há dois dias reclamou na cantina que o pãozinho do bebêzinho não acompanhou o mingauzinho da manhã, hã? - provoco com sarcasmo - Se quiser, hoje eu posso te providenciar um, e se pedir com delicadeza - abaixo ainda mais a voz e aproximo o queixo do tampo da mesa cerrando os olhos - ainda ponho em uma mamadeira com o bico anti-saliva-de-búfalo...

- Oooh, aprendeu a fazer piadinhas, Jiminho-anoréxico? - fala enquanto dá palmadinhas silenciosas acenando com a cabeça - A mamãezinha não conseguiu te ensinar direitinho não foi?

- Cê não quer calar a boca não? Ou vai esperar que eu...

- Que eu o que? - FIll me interrompe asperamente apoiando as mãos com mais força sobre o tampo da minha mesa, serpenteando a cabeça e diminuindo a distância entre o meu rosto e o dele - Vai chamar atenção de novo, eh, bebezinho mimado? Chama... vai... - ele começa a alterar a voz de forma ríspida; cerro os dentes e sinto uma tremidão sob os olhos, as têmporas palpitando. Os meus punhos cerrados, sinto o sangue fervendo, a imagem da minha mão se atirando no queixo arrebitado a minha frente, aquela pele pálida como um defunto ficando corada e em seguida o sangue escorrendo entre os lábios e a maçã do rosto; um lápis pontiagudo atravessado de uma ponta a outra do rosto, fincado na boca...

- Fill, não lembro de você sentado nessa cadeira na primeira aula - questiona a professora tirando os óculos, fechando-os e pondo-os sobre a mesa - Você também Edmundo, volte ao seu lugar.

- Ah... c-claro... claro - murmurou Edmundo nervosamente empurrando a mesa a sua frente e se levantando.

Ainda com os olhos vidrados nos meus, Fill dá uma rápida e afrontosa piscadela para mim e se levanta, também empurrando levemente a mesa a sua frente; sinto os pés dela encostando nos meus.

Durma bem à noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora