Capítulo V

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Comecei a achar que o homem — meu então novo paciente — não apareceria mais, que talvez existisse uma passagem secreta no porão e que havia fugido só para não ter que nos ver. Esperamos no seu quarto pela sua chegada por vinte minutos, em pé e sem graça. Liam, desistindo dos bons modos, se jogou na cama e começou a mexer no celular, alheio ao meu olhar assassino para ele.

Andei pelo cômodo olhando de cada aparelho do seu tratamento até os medicamentos em um canto, espalhados. Haviam muitas coisas lá mas o que chamava a atenção era o revestimento do chão e das paredes do quarto. Era uma espécie de plástico, tudo para que pudesse ser desinfetado pelo menos uma vez ao dia, impedindo qualquer microorganismo ou bactéria de se alojar no corpo de imunológico baixo do homem.

— Liam, levanta daí! — Falei, batendo no solado do sapato do seu pé que estava escorado no joelho, e mantendo minha atenção nos posters com imagens de um cara loiro espalhados pelas paredes — Liam!

— O quê é, Cecília? Quer me deixar em paz?!

Revirei os olhos e encontrei, bem afastados e quase escondidos, troféus dourados e muitas medalhas diversificadas. Eram prêmios e mais prêmios, indicações e mais indicações em categorias de Grammys e eventos importantes. O que será que ele era antes da doença se manifestar? Quem era o verdadeiro filho mais novo dos Horan? Talvez eu nunca saberia, já que, pela forma como sua mãe falava sobre o mesmo, largara a muito o que fazia antes e agora regia apenas as empresas da família.

— Bonitos, não? — Uma voz masculina perguntou atrás de mim, revelando, assim que olhei para trás, um rapaz moreno de olhos azuis e sorriso infantil.

— Muito — Afirmei um pouco incomodada em ser pega no flagra.

Liam rapidamente se pôs de pé e apertou a mão do homem que soltou uma gargalhada divertida.

— Louis Tomlinson, fisioterapeuta e enfermeiro — Apresentou-se ele depois de apertar também minha mão — E vocês são Provavelmente Liam e Cecília, certo?

— Isso — Confirmei com um sorriso.

— Tomlinson, e o que acha de colocar gelo nas calças dele e dizer que é uma cura inovadora e... — Um segundo homem, dessa vez de cabelos castanho-médio e olhar marcante, veio dizendo do corredor suas indagações, divertido com a ideia que tivera. Ao levantar os olhos verdes e nos notar, parou de falar instantaneamente — Ai, merda.

— Não, continue, por favor — Incentivei segurando uma gargalhada — É sempre bom experimentar novos tratamentos. Quem sabe resolvam.

Continuei a andar devagar pelo quarto, fascinada com o tanto de premiações e quadros emoldurados de títulos e conquistas marcantes.

— Styles, eles já chegaram? — Outro alguém quis saber antes de entrar de fato pela porta — Quem é essa? — Olhando para mim, o moreno de cabelos pretos estava realmente confuso. De repente, arregalou os olhos, provavelmente surpreendido — Esperem, essa é a médica? Até eu quero ficar doente agora! Nossa — Ele olhou para o fim do corredor como se acompanhasse a chegada de alguém — Venha logo, Nialler! Venha ver isso. Agora sim ter VM-49 vale a pena!

Liam lançou um olhar cortante para o homem que se encolheu, com medo. Da porta, o mesmo loiro-escuro dos cartazes o qual vi na janela assim que cheguei, se aproximou sem olhar para ninguém, apenas com a atenção fixa na mesinha de remédios.

— Ah, é? Dá para ver meu entusiasmo a quilômetros de distância, não dá? — O homem de cara amarrada questionou sem qualquer vestígio de bom humor. Se fosse ele meu paciente, eu estava mesmo ferrada — Um dia perfeito para ter uma doença terminal onde sabe que seus órgãos estão morrendo aos poucos, não é?

Rapidamente me afastei o máximo que pude e peguei uma das máscaras cirúrgicas que estavam em um balcão de madeira polida junto a bactericidas e álcool em gel. Passei um pouco dos dois nas mãos e levei as mesmas na cintura, analisando a despreocupação deles.

— Onde estão as máscaras de vocês? — Indaguei.

— Relaxa, somos RH positivo e sabemos das restrições — Tomlinson disse tranquilamente ao cruzar os braços.

— Não é porque o tipo sanguíneo de vocês é positivo que podem ficar perto dele dessa forma, mesmo que afastados — Rebati.

— Os estudos falam...

— Os estudos estão equivocados, não foram aprofundados — Interrompi o garoto de cabelos castanhos e olhos verdes — Por acaso algum de vocês entende disso?

— Eu entendo — De modo arrogante, o moreno que entrou antes do homem com VM-49, informou se aproximando para apertar a minha mão — Zayn Malik, cientista há três anos.

Semicerrei os olhos e quase os revirei, retirando alguns papéis da bolsa e lhe mostrando.

— Então sabe que o Antígeno D do sangue positivo pode matar ele indiretamente, não sabe? O paciente em questão é RH negativo, senhor Malik. Você se lembra?

Após analisar minuciosamente as anotações e acompanhar as letras miúdas com o indicador, ele levou a mão na boca e rapidamente se dispôs a pegar uma máscara e a colocar no rosto, nervoso.

— Como assim? — O de olhos verdes perguntou — O que o RH tem a ver com isso?

— Pelo que ela relatou, Styles, as proteínas que o Antígeno D leva aos anticorpos liberarem na corrente sanguínea são capazes de bloquear a manifestação de certas doenças mas não impedir que as passe adiante — O tal Zayn explicou hesitante — Ou seja, segundo os estudos dela, podemos todos estar nesse momento infectados com doenças graves para Niall mas que não se manifestaram em nós até agora.

— Coloquem as máscaras — Mandei jogando-as para cada um deles.

— Ah, qual é? — O que deduzi ser Niall, meu paciente, desdenhou colocando um remédio na boca e dando de ombros — Vamos todos morrer um dia, mesmo. ¡Viva, la vida es una fiesta!

E então, para engolir as quatro cápsulas que colocou na boca de uma só vez, ele tomou um longo gole do conteúdo rosa de uma garrafa de vidro transparente.

Álcool.

Às dez da manhã.

O que é isso que ele está tomando? — Perguntei ao enfermeiro que encolheu os ombros.

— Analgésicos, eu acho.

— Tudo isso de uma vez e com a droga de uma bebida?!

— Quem é você? Nova... babá? — O Horan rebateu aos risos — Ah, já entendi. Para que eu faça, como um rato de laboratório, os testes que algum otimista de merda criou, preciso estar sentindo dor? Muito bom, quem sabe na Terra do Nunca eu ajude com isso. Acredita em contos de fada, senhorita?

Me aproximando dele, tirei a garrafa da sua mão e joguei o líquido no banheiro do quarto, arremessando o frasco vazio no lixo.

— Para me abster da dura realidade de que existem babacas como você, talvez eu acredite mesmo. E eu nunca faria testes em animais, para começo de conversa — Eu disse, já sem paciência com uma criancinha arrogante de vinte e oito anos — E, que fique bem claro, não estou aqui para ser sua babá ou aguentar desaforos de um cara mimado. Também não escolhi ter que te aturar, mas vai ter que ser assim, você querendo ou não. Não me importo com o que vai fazer depois que estiver bem, mas, enquanto eu cuidar do seu tratamento, as coisas vão ser do meu jeito. Ou então continue aqui trancafiado por mais dois anos. Parece realmente adorar isso.

O quarto inteiro foi silenciado. Ninguém mais ousou dizer uma só palavra diante do semblante surpreso de Niall. Ele franziu o cenho como se não soubesse reagir àquilo e deu as costas para mim, caminhando até a cama. Ao se virar novamente, procurou as palavras certas com cuidado.

— Só... só anote tudo. Costumo esquecer as coisas com facilidade. Outra alegria dessa doença adorável que você deve adorar.

Deixei-o para trás assim que o vi balançar a cabeça como se afastasse um turbilhão de pensamentos.

Idiota.
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Lembrando que o que eles falaram sobre a doença ✨não é real✨...

A Vida em Preto & Branco [N.H]Onde histórias criam vida. Descubra agora