Capítulo VI

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Minhas primeiras impressões sobre o filho da senhora Horan não foram as melhores e, avaliando a situação, creio eu que ele pense coisas horríveis ao meu respeito. Era ele tão fissurado assim na própria dor que não poderia agir com o mínimo de educação?

Provavelmente sim.

Depois de discutir com Niall — meu, infelizmente, novo paciente —, demorei alguns minutos para encontrar o quarto onde eu estava hospedada, dando então um tempo de vantagem para Liam me seguir. Acabamos dormindo na cama enorme que havia lá dentro, eu com os pés no seu rosto e abraçada aos dele, exatamente como dormíamos na infância agora tão distante sem nossas irmãs mais velhas por perto. Estávamos exaustos pela viagem mesmo que relativamente curta.

Descemos para o jantar quando a senhora Lucy bateu à porta, levando meu irmão a cair do conforto da cama e dar de cara com o chão frio. No início, fiquei com certo medo das pessoas ricas da vida real serem exatamente como as dos filmes que se arrumam para um simples jantar em família. Contudo, logo deixei a preocupação de lado ao ver todos sentados e perfeitamente vestidos com roupas casuais.

A senhora Horan foi a primeira a nos ver e logo abriu um sorriso indicando as cadeiras vazias.

— Irmãos Payne — Cumprimentou-nos — Sentem-se, por favor — Ela olhou então na direção do homem que ocupava a outra ponta da mesa a medida que realizávamos o seu pedido — Querido, esses são Liam e Cecília, o novo auxiliar administrativo e conselheiro do Niall e a médica de que te falei. Ela vem se aprofundando no assunto da VM-49 antes mesmo de entrar na faculdade.

— Ah, oh, sim! Eu me lembro — O senhor de meia idade respondeu de modo simpático — É muito bom conhecer vocês, meus jovens. Serão de grande ajuda.

— O prazer é nosso, não é, Cecí? — Liam questionou sorrindo.

— Sim, com toda certeza — Falei insegura, sentindo a timidez dominar-me — É um prazer conhecer vocês também.

Naquele instante o outro homem, a mulher e o garotinho que estavam sentados me olhando atentos, sorriram em resposta a cordialidade.

— Greg Horan, irmão do Niall — O loiro disse.

— Denise Horan, cunhada do Niall — A mulher completou o raciocínio lançando-me uma piscadela.

— E eu sou o Theo! — O garotinho também loiro, ainda perdido, exclamou alegre, parecendo contente por conhecer pessoas novas. Soltei uma risada baixa, não aguentando a fofura do pequeno — Nossa, você é muito bonita, Cecil... Cecilililia...

— Pode me chamar só de Ceci, Theo — Tentei ajudá-lo a facilitar a confusão — E muito obrigada pelo elogio! Você é uma gracinha!

— Theodore Horan, você é espertinho demais, não acha? — Seu provável pai, Greg, repreendeu-o depois de todos rirem.

— E eu, Theo? Sou bonito? — Meu irmão Indagou aos risos.

Theodore enrugou o nariz e negou realizando uma careta engraçada.

— Bom, então já que esclarecemos a beleza individual dos Payne, vamos jantar? — Bem humorada, a Senhora Horan questionou ao passo que Lucy começou a trazer os últimos pratos — Algum problema, Cecília?

Rapidamente encarei-a e notei que não me movi para comer, fiquei apenas esperando.

— Mas e o seu filho?

— Niall não pode comer junto conosco por causa da VM-49, senhorita Payne — Foi o senhor Horan que me esclareceu a dúvida — As restrições, se lembra?

— Sim, claro — Afirmei — Mas o que quero perguntar é se ele não vai comer.

— A senhora Lucy levou para ele o jantar — Sua esposa completou — Lá em cima. No quarto dele.

— Ele está indisposto hoje, senhora Horan — Lucy informou descendo as escadas com uma bandeja nas mãos — Está sem fome como sempre. Aquele garoto vai acabar ainda mais doente por se recusar a comer...

— Niall quase nunca come por causa dos efeitos dos remédios. Sabe, náuseas e falta de apetite — Maura explicou para mim — Não sei mais o que fazer.

Pensei por um instante e depois me levantei, indo até a senhora Lucy.

— Eu levo. Ele precisa comer alguma coisa se quer que o novo tratamento dê certo. Queiram me dar licença.

— Você pode até tentar, mas ele nunca aceita — Denise lamentou, triste — Ninguém consegue fazê-lo comer.

— Cecília tem certa persuasão insistente, se é que me entendem — Liam tirou sarro balançando as sobrancelhas sugestivamente.

Sorri sem graça e subi as escadas, aproveitando que estava sem fome e precisava fazer meu trabalho bem feito. Fazê-lo comer era a garantia de que ele aguentaria o tratamento de cura. Todos os remédios o deixam fraco, e ninguém quer ser fraco.

Certo?

— Com licença — Pedi ao abrir a porta depois de bater.

— Eu não vou comer — Ao me olhar de relance por cima do celular, Niall afirmou sem muito entusiasmo, mais concentrado em continuar o que fazia no aparelho do que de me dar ouvidos — Não estou com fome, eu já disse.

— Essa desculpa daria certo só nas primeiras vinte vezes, senhor Niall — Falei — E pelo que me contaram, foram bem mais. Incontáveis, aliás.

Coloquei a bandeja no balcão para poder vestir a máscara cirúrgica no rosto e passar álcool em gel nas mãos. Coloquei a mesma ao seu lado na cama e me afastei alguns passos, distante o bastante para não correr riscos.

— Tire essa máscara e me mate de uma vez. Eu agradeceria só para não ter que tomar sopa outra vez — Desdenhou olhando para o prato e fazendo uma careta ao afastá-lo delicadamente com a ponta dos dedos — Virou minha babá agora além de médica? Veio ajudar um necessitado? Oh, nao. Não diga que vai me dar um banho agora!

— Você realmente é o ser humano mais arrogante que já tive o desprazer de conhecer, senhor Niall.

Ele levou a mão ao peito, como se eu tivesse dito "você é a melhor pessoa do mundo!".

— Obrigado. É um dom.

Apontei para o prato e insisti:

— Coma.

— Não.

Revirei os olhos e continuei a encará-lo.

— Se continuar a agir como uma criança mimada, não vai poder fazer o tratamento. Você decepcionaria toda a sua família e os deixaria mal. Pense no seu sobrinho lá em baixo e nos seus amigos. Parece que... que todo mundo te quer bem menos você. Você é o único aqui que está se sabotando.

Ele levantou apenas uma sobrancelha e me encarou. Avaliou a situação e então estalou a língua desligando a tela do celular.

— Você é muito insistente — Ele disse medianamente irritado — Mas vai ter que fazer bem mais para eu comer.

Dando de ombros, voltou a se ocupar com o aparelho eletrônico nas mãos. Me levantei e comecei a andar para fora do quarto.

— Só quanto você entender que o único com quem está ferrando aqui é você mesmo, tudo fará mais sentido. Eu não me importo que não coma, vou receber tudo o que preciso para seguir a minha vida mesmo que você morra — Respirei fundo, buscando controlar minha voz — Só... só deixe caminho para quem realmente quer tentar. Conheci uma pessoa que queria mais do que tudo viver, mas não pôde, não foi assim. Agora você tem uma oportunidade incrível que quase ninguém vai ter e mesmo assim me trata como uma idiota. Parabéns, senhor Horan. Você é mesmo incrível como todos os troféus empoeirados da sua prateleira.

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⏰ Última atualização: Aug 27, 2021 ⏰

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