2. Os traços

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"Ela é dona de uma beleza exuberante, a perfeição em forma de mulher. Acredito que seus traços são parecidos com o da própria Eva do jardim [...]"
—W. Holanda
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Quarta-feira – 22:33 p.m.

Alfonso Herrera adquirira aquele imóvel, especificamente, pela vista da sala de estar.

Os cômodos eram grandes, a estrutura era luxuosa e a localização, privilegiada. Não haviam vizinhos diretos e isso – assim como o sistema interno de monitoramento 24 horas – era uma vantagem proveitosa. A lista de benefícios era longa e, certamente, indiscutível; mas o real motivo da compra – aquele que o fizera bater o martelo final – fora, sem sombra de dúvidas, a vista deslumbrante.

Ou talvez a falta dela.

De maneira geral, o horizonte de Chicago se moldava em uma cadeia massiva de arranha-céus a se perder de vista. Não havia escape, a selva-de-pedra – de uma arquitetura impetuosa – sempre o estaria esperando do lado de fora das paredes de concreto; mas ali, sobre o quadragésimo quinto pavimento de um dos diversos prédios espelhados que compunham a cidade, a paisagem se fazia tranquila.

Tranquila até demais, já que tudo o que se podia ver – ao menos pela grande vidraça da sala principal – era a calmaria azulada do Lago Michigan; espelhando os raios de sol durante todas as manhãs e se abrindo em uma imensa escuridão, durante noites como aquela.

Ele respirou fundo, passando a mão esquerda sobre o lábio inferior enquanto franzia o cenho, voltando sua atenção das janelas para a papelada que lotava sua mesa de centro.

Fora um longo dia.

Desde sua posse como CEO efetivo na HERSA, há três dias, os mais variados tipos de documentação pareciam surgir – quase como em um passe de mágica – em seu escritório. Começando por novos acordos fundiários, passando por plantas pendentes de aprovação e avaliações de empreendimentos, a papelada exigia um nível de concentração que Alfonso, honestamente, não estava logrando oferecer.

Ele se levantou, deixando os papéis de lado enquanto rumava até o bar de mármore preto, em uma das laterais da sala principal. Serviu-se de um tinto espesso, girando o líquido em sua taça enquanto ouvia uma gargalhada alta soar pelo ar, ainda distante.

— Meu deus, que foto péssima! – a tal risada foi seguida pela exclamação, o som parecendo se aproximar do cômodo aos poucos. – Querido? Você precisa ver isso!

Diferente de si mesmo, Brittany – com quem se casara há quase sete meses, em uma cerimônia elegante regada a Champagne e rosas brancas –, não era uma grande apreciadora de vinhos, mas se deixava levar quando ele – em meio a súplicas incessantes – a persuadia à acompanhá-lo.

E, por isso, talvez ele devesse servi-la também.

Ou ao menos devesse tentar.

Brittany: Alfonso? – Chamou, adentrando o ambiente com um sorriso divertido nos lábios e estancando sob o alisar porta logo em seguida – Porque você está no escuro? –  questionou, desviando o olhar entre os dois abajures fracos que faziam a iluminação do espaço.

Alfonso: Eu gosto, muita claridade me deixa com dor de cabeça. – explicou, simples. Um meio sorriso se formou em seus lábios quando a esposa lhe ofereceu uma careta, tratando de acender uma das luminárias principais mesmo com a resposta positiva. – Ei, eu disse que prefiro!

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