3. A presença

1.1K 108 961
                                    

"Nada tenho a ver com não gostar de mim. Me aceito impura, me gosto com pecados e há muito me perdoei."
— Martha Medeiros
__________________________________

Quarta-feira – 23:47 p.m.

Deitada por entre as almofadas azuis – que ocupavam quase metade da imensa cama de casal daquele quarto bege–, Anahi Portilla parecia entediada.

Os cabelos chocolate, apesar de alvoroçados, se espalhavam em cachos largos sobre os lençóis amontoados; Os lábios, que começaram a noite em seu habitual tom avermelhado, se mostravam, agora, inchados em uma cor rosada natural; Os olhos azuis já não levavam muita maquiagem, mas ainda assim pareciam capazes de perfurar com tamanha intensidade; O corpo ...

O corpo estava relaxado, coberto apenas por um lençol fino de algodão branco que tratava de cobrir o essencial.

Ela se espreguiçou, desviando o olhar das próprias unhas – recém pintadas em um esmalte bordô fosco – para a vista que preenchia o ambiente por entre as cortinas de voil branco. Ali, assim como em um outro apartamento – aquele no qual apenas dois abajures faziam a iluminação da sala principal –, o lago Michigan se mostrava tranquilo, encoberto por uma leve camada de nuvens que se espalhavam pelo horizonte escuro.

A morena suspirou, os lábios fartos se franzindo com a ideia maçante de que tal vista pudesse soar como ideal para a maior parte dos moradores de Chicago.

Não entenda mal. De fato, Anahi gostava do lago. Gostava da brisa fresca que batia em seus cabelos enquanto caminhava pela orla, dos parques que se estendiam à beira mar e dos diversos restaurantes que se abriam pela movimentada via principal; mas, definitivamente, toda aquela tranquilidade noturna não era o seu tipo específico de prazer pessoal.

O que lhe encantava eram – e provavelmente sempre seriam – as luzes. Gostava de ver a cidade se acender, os prédios se iluminarem e as noites ficarem mais claras com as lâmpadas em tons amarelados. Gostava de poder ver a silhueta brilhante da cidade se moldar por entre os arranha-céus, gostava de ver o movimento que os faróis de carro proporcionavam às vias e de como as luzes – diferentes daquela paisagem suave – eram mutáveis.

Mutáveis assim como ela mesma.

A ideia a fez sorrir, e o som de sua risada contida fez o homem deitado ao seu lado – que falava há incontáveis minutos sobre algo que ela, sinceramente, não estava interessada – se calar, fitando-a em uma expressão deliciada.

Por deus, você fica linda sorrindo, sabia? – o tal homem, de cabelos grisalhos e olhos escuros comentou, fitando os lábios da morena que, por sua vez, fez questão de mordiscar o inferior em uma provocação descarada.

A resposta, como sempre, era simples. Ela sabia.

Sabia perfeitamente bem da beleza de seu sorriso e de tudo que poderia conseguir a partir dela. Sabia dos prazeres que seus lábios poderiam causar – se usados da maneira correta –, dos pensamentos impuros que o corpo poderia gerar, e dos feitiços que os olhos cor de topázio poderiam lançar.

Ela sabia que era linda;

Linda – quase – por completo.

E usar isso a seu favor não lhe parecia uma ideia tão ruim assim, afinal.

Anahi: Sabia. – se fez, levando um de seus próprios dedos até a boca, acariciando a parte do lábio que mordicara há segundos atrás. – Eu fico linda de todas as formas, não seja econômico com os seus elogios, por favor. – brincou.

PorcelanaOnde histórias criam vida. Descubra agora