1. O olhar

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"[...] Olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim."
— Dom Casmurro; Machado de Assis.
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Chicago — 19:47 p.m.

Era verão na cidade dos ventos; o clima quente e úmido – que se fazia presente durante toda a estação – parecia favorecer que noites como aquela mesma se tornassem muito mais agradáveis de serem experienciadas.

Do lado de fora das janelas espelhadas, a cidade fervilhava em seu horário de pico. As estações de metrô pulsavam lotadas, alguns – muitos – carros se amontoavam por entre as largas avenidas e os faróis, assim como as luzes vindas dos arranha-céus, iluminavam a noite que recém havia começado.

Do lado de dentro, um par de saltos martelavam sobre o porcelanato bege – perfeitamente polido – como um relógio ritmado.

Não havia espaço para dúvidas diante ao reflexo da mulher no espelho.

Ela estava linda.

Linda como uma boneca de porcelana.

Os cabelos cor de chocolate caiam por suas costas em camadas volumosas de cachos alinhados, o corpo – em um vestido de seda vermelha, que se abria em uma fenda profunda sobre a pele de sua coxa esquerda – se mostrava perfeitamente delineado, tão fatal que soava quase pecaminoso. Os lábios – de uma textura tão macia que poderiam, facilmente, enlouquecer a quem quer que os fitasse por muito tempo – pareciam implorar por atenção, destacados em um batom vinho matte. Os olhos ...

Os olhos eram de cigana; de cigana oblíqua e dissimulada.

Ela estava linda.

Perfeitamente linda, e tinha completa noção disso.

A morena desceu as escadas, parando sobre o último degrau enquanto aguardava que os olhos do homem em sua frente, sem pressa alguma, traçassem um percurso quase doloroso por sua silhueta.

Hector: Você está incrível. – elogiou, soltando um suspiro alto enquanto lhe oferecia uma expressão sedutora.

Anahi: Me diga algo que eu não saiba. – Retrucou, parecendo divertida enquanto um sorriso criminoso surgia no canto de seus lábios.

O homem apenas sorriu em resposta, parecendo não assimilar o toque ácido com que as palavras foram proferidas e deixando que, desta vez, ela mesma o examinasse por um momento.

Ele também não estava mal. Apesar da idade, mais de duas décadas avançadas em relação a ela, os anos não se mostravam tão cruéis com Hector. Os olhos escuros – que o tempo fizera questão de suavizar – combinavam com a barba espessa, assim como os cabelos grisalhos, que se faziam presentes em um corte um tanto quanto jovial. O corpo não era musculoso, mas ainda assim, parecia totalmente elegante em um terno Ralph Lauren cinza chumbo.

Ela mordeu o lábio inferior, voltado a fitar os olhos escuros;

Nada mal.

Talvez os meios para conseguir tudo o que sempre sonhara não fossem tão ruins assim, afinal.

Hector: Está pronta? – questionou, oferecendo-lhe a mão esquerda e aguardando que ela a segurasse.

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