Saudades

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O contato com o outro é uma experiência irreversível. Depois da chegada dos garotos da cidade e o ocorrido na tempestade, Winwin não conseguia mais pensar em outra coisa que não em Lucas. Suas tarefas de todo dia eram permeadas pela imagem do moço bonito, alto, de jeito expansivo e extrovertido. O menino até o procurou depois que se despediram, conseguiu coragem para ir até o grande trailer e perguntar do moço misterioso para os amigos, mas disseram que Lucas tinha ido embora com uma parte da galera para explorar as outras praias da região.

Winwin sentia-se frustrado, como um cachorrinho que brincou pouco com o osso e teve que se despedir. Depois da notícia sua distração e abatimento eram nítidos por todos. Oras bolas, pensava, nunca tinha a oportunidade de fazer absolutamente nada naquele pedacinho de paraíso, e quando surge algo novo que desperta seu interesse, ele simplesmente o perde.

E essa frustração entendeu-se por quase uma semana, onde por volta e meia, o corpo de mais de um metro e oitenta de altura invadia sua mente e o sorriso de perfeitos dentes aparecia em seus cochilos o chamando e hipnotizando sem consenso.

Desse jeito a noite caiu rápida no fim da semana, com um WinWin desinteressado pela comida em seu prato olhando através da janela as ondas o chamarem para um mergulho naquela atmosfera quente. Beijou a cabeça de seu pai e aprontou-se para dormir. O velho pescador, que de bobo não tinha nada, apenas olhou sua cria se retirar deduzindo com grande acerto o motivo dos estranhos modos do filho.

Como costume de toda noite, principalmente das quentes como aquela, o pescador pegou sua palhinha de fumo e acendeu próximo da janela e dentre as tragadas notou algo se aproximando. Medo não sentiu porque ali tudo era paz. Logo mais ouviu batidas em sua porta e tratou de ir vem quem era naquela hora da noite.

- Oi boa noite, aqui é a casa do Winwin?

O velho pescador logo reconheceu Lucas, o moço da cidade.

- É sim, o senhor quer falar com ele? – O velho já tinha entendido tudo, os anos de vivência o prepararam para captar as coisas rápidas como numa pescaria.

- Eu não queria incomodar, mas se fosse possível... Ele já dorme?

O pescador não deu o trabalho de resposta, virou e foi chamar seu único filho. Na pequena aldeiazinha era assim, não precisava se falar tudo, havia gestos que falavam mais do que qualquer palavra, e o povo se comunicava entre as meias palavras e as meias ações.

Winwin apareceu descabeladinho, como uma vassourinha mal usada. Os olhos amassados focaram Lucas na porta e um sorriso logo se fez, ele estava sonhando? Que sonho bom, parecia tão real.

Com a permissão do pai os dois garotos foram dar uma volta na praia com a promessa de voltarem logo e assim fizeram. Andavam calmos e descalços aproveitando a textura da areia entre os dedos enquanto a brisa fresca beijava os seus rostos.

- O pessoal disse que um moleque que "surfa" com tábua foi procurar por mim essa semana. – Lucas disse com ênfase na palavra 'tábua' enquanto olhava para Winwin esperando sua reação.

- Eu não sei por que de tanta chacota. – O mais magro protestou brincalhão expondo aquele sorriso que era a verdadeira razão para que Lucas voltasse em sua procura.

Ambos riram e Lucas deu um leve soquinho no ombro do outro que se desequilibrou levemente. Para os dois tudo era graça.

- Pra onde tu foi? – O filho do pescador perguntou com receio olhando para o chão.

- Fui surfar em outras águas Win. – Lucas sorriu para o menino que adorou o carinhoso apelido. – Estou de férias e resolvi com os amigos vir surfar aqui no litoral, pra fugir da minha vida da cidade grande, ter paz. – Segredou.

O surfista e o filho do pescadorOnde histórias criam vida. Descubra agora