IV

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Emmett não conseguia acreditar que tudo lhe estava a correr bem. Tinha vencido todos os seus jogos anteriores e ia agora defrontar o brasileiro Rómulo Salgado, um estreante do evento como ele. 

O árbitro atirou a moeda ao ar, decidindo quem jogava de que lado, e os dois atletas assumiram as suas posições. Emmett fez o serviço, ajustando depois a cadeira dentro do campo para apanhar confortavelmente o volante devolvido.

Ele sentia todos os dias a gratidão pela ajuda que Leah lhe tinha dado na fase mais negra da sua vida, agradecendo-lhe em voz alta várias vezes mesmo depois de tanto tempo. Se a namorada não o tivesse apresentado ao para-badminton, Emmett não teria superado a sua depressão ou aceitado a paraparesia com tanta facilidade.

A transição tinha sido difícil. O seu badminton era extraordinário e as suas capacidades de manobrar uma cadeira de rodas eram aceitáveis. Porém, juntar os dois foi a receita perfeita para o desastre.

No inicio, Emmett esquecia-se com frequência de mexer a cadeira, batendo as pernas contra os elásticos que as seguravam por reflexo. Quando se lembrava, a raquete na mão dele atrapalhava o movimento ou os seus braços cansados tinham dificuldade em manobrar as rodas para o posicionar debaixo do volante que caia. 

Era frustrante, mas Emmett não desistiu. Toda a família o encorajou e Leah também. A jovem arranjava sempre tempo para o ver treinar com a sua nova cadeira especializada, mesmo com a sua agenda preenchida. Movido pela sua ambição e pelo apoio dos outros, Emmett passava todo o tempo que conseguia a treinar como se mover num campo com metade do tamanho a que ele estava habituado. Lentamente, o jovem passou a aceitar o seu destino e a sonhar com uma nova carreira num desporto que parecia ter sido inventado à sua medida.

Um ano depois do Emmett ser diagnosticado, Leah partiu para os seus primeiros Jogos Olímpicos. O casal tinha recebido a noticia do seu apuramento com entusiasmo. Mesmo que ele sentisse ciúmes da namorada de quando em vez, dado que não conseguia deixar de pensar que tinham sido recrutados ao mesmo tempo e a carreira dela avançava mais depressa que a dele, Emmett continuava a mostrar o seu apoio. Ele desejava, com todo o seu coração, que Leah se tornasse uma campeã, não só nacional como também do mundo. Mesmo no meio da sua negatividade e dos seus próprios problemas, o jovem fazia questão de ter tempo para Leah: de celebrar as suas vitórias, de a consolar nas derrotas e de a incentivar nos duros treinos, aos quais ele voltou a assistir passado uns tempos.

Leah foi para o estrangeiro e voltou sem se ter conseguido classificar. A relação deles tinha ficado estranha por essa altura, mais distante e mecânica. Todo o stress acumulado nas vidas de ambos, antes, durante e depois dos Jogos, tinha levado a que desenhassem uma linha imaginária entre eles, tornando até difícil desabafarem um com o outro. Mas o amor é paciente e bondoso, escondendo-se nas palavras que não são pronunciadas e nos mais pequenos gestos. E assim, lentamente, sem que dessem conta, eles encontraram o caminho de volta um para o outro, mais apaixonados que nunca.

Emmett venceu o primeiro set e preparou-se para a redenção de Rómulo. 

Manobrar aquela cadeira onde ele estava sentado era agora como uma segunda natureza. Emmett tinha lutado para se entender com o objeto mas agora, cinco anos depois de ter começado o para-badminton, se a assistência olhasse para ele e para a forma descontraída como jogava, pensaria que controlar a cadeira era tarefa fácil.

O jovem tinha demorado muito tempo a recompor-se do choque do diagnóstico. Depois, tinha demorado a aceitar a sua condição, a superar a negatividade e a depressão, e a aprender a jogar sentado. Tinha perdido muitos jogos no início e, por vezes, continuava a perder como se se tivesse esquecido de tudo o que o Jethro e os outros colegas de equipa lhe tinham ensinado. Mas, por vezes, parecia que os astros se alinhavam, incidindo sobre ele a luz da genialidade, fazendo-o jogar excecionalmente bem, como nunca antes se tinha visto.

Tal como naquele dia.

Foi por pouco, mas Emmett venceu o segundo set, derrotando o brasileiro sem acreditar no seu feito. A bancada explodiu em aplausos e vivas e o jovem, emocionado, rodou a cadeira, varrendo a assistência com os olhos marejados. Anthony e Leah estavam de pé, aos pulos, com a euforia que mimetizava a dele a sair por todos os poros. Tanto eles como Jethro, em pé no corredor mais abaixo, tinham orgulho no olhar.

E Emmett ficou feliz por isso.

Não lhe importou que fosse o hino israelita a preencher o pavilhão algum tempo depois. Não lhe importou que a sua medalhe fosse bronzeada e que tivesse de partilhar o terceiro degrau do pódio com um atleta suíço. A alegria que sentia ultrapassava qualquer coisa.

O seu sonho de ir aos Jogos fora realizado. Tinha entrado nos Paralímpicos em vez dos Olímpicos, mas o sabor era o mesmo. O seu sonho de receber uma medalha também fora cumprido, apesar da diferença de cor.

Naquele momento, Emmett sentia-se capaz de tudo. 

Incluindo voar.  

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