Deveres de uma Jarl

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    O alívio em sua pele, que era banhada pelas benzidas águas coletadas do rio Abhainn, seria júbilo se fosse ela mesma que estivesse tirando as impurezas de seu ser material, recentemente taxado de "corpo de moça"

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O alívio em sua pele, que era banhada pelas benzidas águas coletadas do rio Abhainn, seria júbilo se fosse ela mesma que estivesse tirando as impurezas de seu ser material, recentemente taxado de "corpo de moça". Completou seus dezoito anos na primavera anterior e agora, por motivos meramente culturais, os homens de toda a aldeia a olhavam com certa malícia que era despercebida pela bela donzela. Tão nova, tão despreparada para aquele mundo obsceno e, ainda sim, tão escandalosamente cheia de charmes que atraiam até mesmo as criaturas mais asquerosas.
    Em uma pequena banheira feita de metal amassado, sentada de cócoras e meio corcunda, com o vapor a relaxando e dois pares de mãos macias ensaboando suas costas e panturrilhas, Jullit e seu semblante travavam uma batalha difícil contra a vergonha que queria estampar. Não importava seu sobrenome que dava nome à aldeia Sture, jamais se acostumaria com as mordomias íntimas que lhe eram de direito. Era exatamente essa atenção toda voltada para ela, ter inúmeros thralls trabalhando para que nada em sua vida exigisse esforço, que fazia a jovem querer começar a rezar para que Loki retirasse essa maldição de dentro dela.
    Ser uma jarl nada mais nada menos significava que seu pai era um senhor de terras e perante as outras classes, exceto o rei, eles estavam no topo. Jullit não se incomodava de tudo com sua posição de elite, aborrecia-se de fato era com a sociedade que lhe impunha uma escolha que devia ser dela.
    Naquele dia em especial, seu pai, o chefe, anunciara um evento que traria prosperidade para a próxima década infame. Deixara para contar de última instância à sua própria filha que a aldeia vizinha pagara 27 hacksilvers em troca da união dos primogênitos das duas famílias mais importantes daquela região de Midgard. Aquela taxa fora uma cortesia e tanto. O valor alto e os bens alimentícios ajudariam a reerguer as pequenas fazendas da aldeia Sture.
    Em outras palavras, Jullit foi pedida em casamento por Björn, um bravo guerreiro dos Leif, e juntos eles trariam a satisfação para aquele povo que sofria de inanição.
    — Pode se levantar, senhorita Sture — pedira gentilmente a thrall loirinha, que servia àquela linhagem de jarls desde seu nascimento. Naquele ponto, ela já era praticamente uma serviçal pessoal de Jullit.
    De pé, tentou permanecer imóvel enquanto as duas jovens servas lhe secavam com pequenas toalhas. Ela contou as vezes em que os dedos escaparam do tecido e a tocaram diretamente, um ato que por alguma razão mexia demais com seus sentidos. Evitou olhar para elas quando apalparam brevemente seus seios, sentindo-se uma espada incandescente sendo forjada para acompanhar um guerreiro nas suas batalhas sanguinárias.
    Odiava aquilo, o processo de ser adornada para uma festa, cuja única razão para estar acontecendo é a própria irresponsabilidade de seu pai que sequer conseguia fazer uma contagem de alimentos a serem distribuídos para os karls.
    Sim, o povo estava faminto, por isso os Leif, família de Björn, ofereciam parte de sua carne de gado e, em troca — como não era bobo de perder a oportunidade de se apossar da mais recente virgem de classe apresentada para a sociedade —, exigia a mão da filha dos Sture.
    Os suspiros de lamentação de Jullit aconteciam com frequência. Ninguém mais ao seu redor fazia a pergunta fútil: "está tudo bem?". E ela não mais respondia falsamente que "sim, está tudo as mil maravilhas". Afinal, as suas obrigações geravam nela um descontentamento angustiante. Tinha tudo ao seu dispor e parecia que ao mesmo tempo o controle das situações escapava por entre seus dedos como um floco de neve derretido.
    — Teu vestido foi feito pela melhor costureira da aldeia especialmente para esta ocasião — a moreninha baixinha traz a informação junto ao item.
    A garota escrava, que não parecia ter mais de dezesseis anos, ergueu os braços da jarl envergonhada e a vestiu. Jullit queria que um thrall tivesse os mesmos direitos que ela, sendo bem tratado, bem alimentado e, principalmente, bem vestido. O linho que a morena usava estava repleto de buracos do tamanho de um dedo e com certeza ela passava frio com aqueles trapos.
    — Esse tom esverdeado ressalta tuas belas curvas — a garota apontara com um belo sorriso. Elogios, Jullit se acostumara com eles quando seus dentes ainda nasciam.
    — Sente-se — disse a thrall loira, que também exibia um sorriso jovial, guiando Sture para um canto onde havia algumas flores amarelas em cima de uma bancada.
    Jullit apenas queria que tudo aquilo acabasse de uma vez, que ela piscasse e de repente uma manada de javalis entrasse pelos portões e os karls, aqueles comerciantes e trabalhadores mais pobres, abatessem todos eles para ter belos banquetes até o fim do inverno. Nesse sonho nenhum casamento é a solução para o problema da fome. Mas ali o que ela podia fazer era pegar o banquinho de madeira, sentar e levantar um pouco a cabeça.
    A thrall mais nova pegou uma escova e tratou de desembaraçar as pontas onduladas da noiva. A cada puxão que levava, a Sture pensava em tomar-lhe o instrumento e ela mesma tratar de seus fios. Ela podia escovar o cabelo sozinha, oras! Entretanto, sua mãe, que conseguia ser ainda pior que seu pai, queria que a filha fosse preparada como as tradições exigiam, afim de não despertar a ira dos deuses. Tinha que homenagear a natureza que lhes davam os elementos vitais para a existência.
    E assim, quieta e amargurada, aguentou os pequenos pedúnculos maleáveis sendo cruzados na sua trança singular, as flores dando vida ao seu cabelo marrom avermelhado. Perguntava-se constantemente até quando aguentaria não poder segurar as rédeas da própria vida. Se aquele para quem foi prometida seria ao menos um homem gentil e se ele seria capaz de amá-la de verdade. Pensava nessas ficções com finais eufóricos a todo segundo, pois lhe davam esperanças de que um dia ela poderia ser feliz com alguém do seu lado.
    — Pegue os sapatos, Syfra. Estão na caixa ao lado da cama — a loira deu a ordem e a morena voltou prontamente com botas de couro de cano curto com uma presilha reluzente em prata. Jullit esticou os pés e as botas foram calçadas. — Pegue também a manta cerimonial. Está pendurada rumo ao corredor.
    — Tenho mesmo que usar isso? O cheiro é tão forte! — argumenta Jullit cobrindo as narinas.
    — Jullit, o urso representa a família e o ciclo de vida e morte. Essa pele irá santificar e oficializar a união com Björn. Deve usar mesmo se o calor de Muspelheim fizer presença.
    Veste-a, sorrindo com o belo trabalho. As duas avaliam a noiva, tentando não ficarem boquiabertas com tanta graça. Então, uma delas toma fôlego e começa a tagarelar:
    — Soube pelas moças da aldeia Leif que teu futuro marido é bastante viril. A senhorita tens muita sorte. Poderão ter vários filhos, eles serão lindos e perfeitos como a ti.
    — Syfra, modos! Veja com quem fala! — a loira repreendeu.
    — Deixe-a terminar, Morgana. — Imediatamente Morgana se encolhe e fica de bico calado. — Prossiga, Syfra.
    — Bom, sabe como as mulheres têm tido problemas na gravidez nesses últimos tempos. Bebês nascem deformados como gnomos e as mães vêm falecendo nos partos. Não quero que te aconteça nada do tipo, Jullit! É maravilhoso que o senhor Leif seja bem dotado, não acha? Espero que teu primogênito seja um rapaz.
    De todas as perguntas que poderiam ser feitas, essa é a única que Jullit não gostaria de responder. Filhos? Acabou de atingir a tal flor da idade e estava fora de seu interesse fazer crescer uma criança dentro de si. Queria ter um pouco da maldade do pai, que mandava escravos atrevidos terem seus membros amputados, todavia, para a sorte de Syfra, a moreninha sem noção seria poupada. Nada foi capaz de tirar uma lasca da gentileza da Sture e transformar em brutalidade até agora, nem mesmo a mais terrível das ofensas. Era de se admirar a postura calma que sempre tivera para lidar com importunações e aquela não seria diferente.
    Pegou a pequena mão cheia de melanina e botou entre as suas, seu rosto reverberando serenidade.
    — Quando tu cresceres, descobrirá que há inúmeros futuros te esperando, além do de se casar e ser mãe, minha flor. — E deu um beijo no próprio dorso, levantando-se e andando para a saída da cabana principal.
    As escravas se entreolham. Passava em cada cabeça que Jullit Sture era a criatura mais fascinante com a qual elas tinham o imensurável enlevo de trabalhar para.

❝𝐅𝐫𝐢𝐚 𝐜𝐨𝐦𝐨 𝐅𝐨𝐠𝐨⚢❞Onde histórias criam vida. Descubra agora