Caminhos Cruzados

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  São diversas as certezas existentes no mundo e na vida, algumas delas podem ser facilmente explicadas, ao contrário de outras. Uma delas é a seguinte: A vida é complexa.

  Cada um pode ter interpretações diferentes para isso. Como um estudante, que se lamenta pelo acúmulo de tarefas. Ou um advogado, enxergando as diferentes versões de uma verdade. Ou então, para um coveiro... Onde a vida é... Bem, deixemos isso de lado.

  Para uma jovem específica, a vida é complicada por diversos fatos. Sua barriga ronca e o inverno se aproxima.

  Entretanto, um truque aprendido recentemente, bobo, porém eficiente, poderia salvá-la desta situação.

  [CAM_20/12/599X]

  Na porta de um elegante estabelecimento, onde muitas pessoas transitam, ela aguarda sentada. Pessoas passam ignorando-a, afinal, goste ou não, ela é socialmente invisível.

  Esperou minutos. Talvez horas? Pela posição da sombra do poste ali próximo, diria que, no mínimo duas horas... e nada. Nem uma única moeda.

  Não é como se apenas isso a desanimasse. Ser ignorada é algo rotineiro. Entretanto, anseia exibir seu novo truque para alguém. E não ter tido essa chance a desanimou.

  Prestes a desistir e alterar seu "ponto de espera", algo aconteceu.

  Uma boa alma cruzou seu caminho, jogando-a sete moedas, que caíram dentro do boné marrom no chão. Seus olhos brilharam. Sua oportunidade chegara.

  Levantando o olhar, observou um homem que remete um empresário. Ele veste um terno elegante e carrega uma típica maleta preta. A lançou um sorriso sereno e se curvou levemente.

  Mas é claro... Um empresário não tem apenas sete moedas...

  Ela se levantou, sem desviar seu olhar, esticou sua mão para o homem que, educadamente, retribuiu o gesto.

  — Muito obrigada, senhor! Muito obrigada! — apertou fortemente sua mão e a chacoalhou com intensidade. O sorriso do homem se expandiu.

  Virou rapidamente o olhar para um carro que ligou ao seu lado. O homem, seguindo os acontecimentos, imitou-a. Numa rua movimentada, isso é normal, afinal

  Com isso tendo alegrando seu dia, o homem entrou no estabelecimento elegante, com um enorme sorriso. Lá, há variados tipos de pessoas cuidando de seus mais variados assuntos. A mulher pegou suas moedas e saiu apressada.

  Ele entretanto, com o elevador prestes a fechar, direcionou o olhar para seu pulso, a fim de olhar as horas. Mas... Onde está seu relógio...?

  — Ei! Volta aqui! Ladra! — Gritou, saindo em disparada de dentro do elevador.

°°°

  Longe dali, com passos apressados e a cabeça baixa, colocou o relógio em seu pulso e rapidamente, nas opções, desligou o rastreador.

  Atrás de si, ouviu passou apressados. Virando-se, dois homens uniformizados com termos pretos, seguranças, correm em sua direção.

  Imaginando essa possibilidade, começou a correr, com um plano em mente. Rapidamente acessou o mapa do relógio para localizar-se, encontrar becos ou caminhos secundários para auxiliar em sua fuga.

  Essa zona da qual está, não lhe é familiar. Está aqui justamente para que pudesse aplicar esse golpe. Uma zona onde as pessoas com alto valor caminham.

  Apesar de evitá-lo, acaba por esbarrar o ombro em indivíduos. Alguns deles soltam os mais variados xingamentos enquanto alguns, confusos, pedem desculpas.

  Eventualmente, esbarrou em cheio em dois indivíduos. Um homem portando uma maleta prateada e uma mulher alta, de cabelo longo. Ambos pareciam sair de um estabelecimento enquanto conversam.

  — Ei! Olha por onde anda!

  — Que aconteceu!? — A mulher se questionou, no chão, sequer entendendo o que acontecera.

  A jovem olhou para trás, preocupada. A distância dos seguranças acabou de ser drasticamente diminuída.

  Agora vistos de perto, notou que um utiliza uma touca, com o cabelo preto escapando. O outro possui cabelos ruivos, aparentemente mais velho dentre os dois.

  Mesmo tropeçando ao se levantar, fora capaz de se equilibrar e prosseguir com sua fuga. Surpreendentemente, conseguiu manter uma certa distância.

  Outras pessoas não compreendem a tal perseguição e, aqueles que chegam a compreender, se questionam se deveriam ou não interferir, acabando por seguirem as próprias vidas.

  Cruzando a segunda esquina, sem saber por quanto tempo poderia continuar a fugir, fitou o mapa. Há um aglomerado de becos no quarteirão ao qual se encontra. Então, decidiu, seria ali mesmo que despistaria esses dois.

  Avistou a grade que bloqueia a entrada do beco e, a seu lado, um contêiner de lixo, verde e com rodinhas. Com sua única escolha para despistar os dois e escapar desta perseguição, fez o que podia. Praticamente como planejado, os eventos se sucederam: Saltou, apoiando um dos pés no contêiner, o que a proporcionou a chance de outro impulso, então, se segurou na grade, com uma vantagem de distância do chão.

  A única coisa que não imaginou, é que o contêiner estaria vazio. Entretanto, isso apenas a auxiliou. Sem peso suficiente para o manter parado, fora empurrado, impossibilitando que os homens executassem os mesmos movimentos que ela.

  Enquanto passava uma de suas pernas para o outro lado da grade, ouviu uma rápida movimentação de passos. Os homens a haviam alcançado. Porém, uma comoção se sucedeu. Um forte baque fez os passos apressados cessarem.

  — Ah... Mil perdões senhores!

  Virando-se, a jovem observou os dois perseguidores caídos no chão. Também, ao lado de ambos, há um homem encapuzado. As únicas coisas que pôde distinguir do ângulo que se encontra, foram as cores de suas roupas. Uma camisa estilosa com capuz e uma calça inteiramente pretos. Além de uma tatuagem de flor em seu pulso esquerdo.

  — Me desculpem, de verdade...!

  Por mais que peça desculpas, seu tom de voz não expressa o mesmo. Na verdade, é quase como se estivesse falando sozinho. Não há emoções em suas desculpas.

  — Eu não ligo!! — Um dos homens rapidamente se levantou. A jovem passou a outra perna e saltou para o outro lado da grade. — Sai da minha frente!

  O homem vestido de preto se levantou, colocando-se entre os perseguidores e a grade.

  — Eu insisto. — Seu tom continua vazio. — Tem algo que posso fazer pra me desculpar?

  — Só sai da minha frente, merda!! — Empurrou o homem para o lado.

  Voltando o olhar para o beco, o perseguidor já não avistou a jovem. Ela conseguiu fugir, despistando os dois no beco, tal como planejado.

  [Troca de sinal]

  Poucos minutos depois, em outro beco, uma jovem está ofegante. Sentada no chão, encostada em uma das paredes ela fita o nada, refletindo consigo mesma.

  — Eu consegui...! Deu... Certo...! — Sorriu. Fitou o relógio, agora em sua mão. Imaginando o tanto de comida e comodidade que conseguiria ao vendê-lo.

  Mas outra coisa veio em sua mente. A imagem daquele homem que ela sequer viu o rosto. "Mas quem era ele?" pensou. "Ou melhor, por que me ajudou?".

  Descartou a ideia de conhecer o homem ao se lembrar de sua voz. É uma voz marcante, se lembraria se a tivesse escutado.

  Na verdade, ela queria mesmo saber? Ela precisava saber? Claro que não. Cada um com seus problemas, certo?

  Com esse pensamento, ela se levantou e se preparou para caminhar rumo a um conhecido. Alguém que trocava objetos de valor considerável, mesmo que mínimo, por dinheiro.

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