De volta ao interior

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   O interior, tanto aqueles dos parentes que amamos, quanto os que habitam em nós. Eles sempre foram um lugar acolhedor, ambos donos de inúmeras lembranças com cheirinho de aconchego.

O interior é uma região mais íntima, quase intocável, é aquele lugar que é só nosso. As vezes temos que sair dele, para visitar outros lugares ou por pura necessidade, mas voltar é sempre uma delícia. Sair da cidade onde sua alma vaga, voltar para o corpo. São viagens onde o desembarcar é um "Bem Vindo de volta".

Thiago entendeu muito bem o que era isso. No início do ano ele beijou sua mãe e embarcou no primeiro bonde, depois pegou um barco e saiu de sua cidade.  Ele iria cursar a faculdade, saia de casa na esperança de buscar um motivo de orgulho para trazer de volta a sua mãezinha. Iria fazer medicina, e ficaria por lá durante quatro anos. Quatro anos que no coraçãozinho de dona Marta pareceram mais uma eternidade.

  Ele sentiu a brisa lhe bater na face assim que saiu do navio, ajeitou a mochila pesada nas costas e em passos curtos por conta da multidão foi entrando em sua querida cidadezinha. Thiago parou em meio ao passeio e abriu os braços como se estivesse visitando o Cristo Redentor. Deixou que o calor beijasse seu corpo, deixou que sol queimasse levemente a sua face, queria permitir aquele sentimento que faz o coração reconhecer cada detalhe, tomar posse de si.

Ele estava possuído, repreenchido com todas aquelas memórias do que vivera nesta terrinha tão amada. Thiago queria sair correndo e gritando e abraçando gente, queria beijar a careca do "tio da praça", queria enfiar tudo e todos dentro si para jamais sairem.

Não estava só feliz, ele estava radiante, tão radiante que competia seriamente com o sol.

Para desperta-lo desse transe de nostalgias e emoções, seu coração bateu um nome como se implorasse:

"Dona Marta! Dona Marta!"

Em urgência, ele correu e entrou no primeira combe que passou em seu campo de visão. Não comprou flores, nem nada, pois sabia que tudo o que queria Dona Marta era ele. Só ele!

Pediu para que o motorista fosse o mais rápido possível, pois a saudade era gigantesca.

Mas não era só a saudade, era necessidade!
 
Esse tempo longe de casa, fez ele lembrar do quão importante era Dona Marta em sua vida. O amor é um sentimento brincalhão, quase sádico, faz pobres corações se roerem de tanto que sentirem, ainda mais quando o que sentem é o amor materno.

Um filho sabe que ama a mãe, mas só percebe que a ama infinitamente quando a saudade o acerta. Mães são como baterias, quando ficamos longe delas, parece que a nossa energia vai aos poucos morrendo ou se perdendo. Dói tanto que nos vemos perdidos. Uma mãe pode não escrever a história de um filho, mas certamente é ela quem lhe entrega um lápis. Mães são inícios.

Thiago sabia disso. De todos os romances que viveu e leu, nenhum lhe despertou tanta paixão quanto esse momento...

Ele estava no portão de sua casa... Tão... Igual...Tão...Perfeita.

E já estava chorando, cada lágrima sua antecedia uma outra...e mais outra.

Um louvor bem bonito, saia pela janela. Ele conhecia essa canção, na verdade, conhecia todos os louvores que sua mãe gostava, conheci tão bem que conseguia visualizar mentalmente a capa do álbum que esta fazia parte.

Era a hora... Ele iria passar pelo pequeno portão sem fechadura. Tentou não fazer barulho, mas a emoção fazia tudo parecer um espetáculo musical.

Andou até a porta, sem se importar em limpar as lágrimas, deixando elas pesaram ao ponto de se refugiarem na gola de sua camisa. Não tinha do quê se envergonhar, o que ele sentia era bonito demais para isso.

Não bateu na porta, não apertou a campainha, somente...:

— Ô Dona Maaaaaaaaaaaartaaaaaaa!

Chamar o nome dela foi uma sensação deliciosa, quase um carinho para o seu corpo desesperado.

Deu para se ouvir o barulho das panelas serem derrubadas na pia. Deu para se ver uma senhora passar avoada secando as mãos com um pano de prato velho.

Ele respirou fundo...

Quando a porta foi aberta, as lágrimas de Dona Marta saíram antes que ela pudesse pensar em sair. Ela estava paralisada, sem acreditar na imagem que estava em sua frente. Levou a mão na boca, em completa emoção.

— Sou eu, mãe. Seu filho...

Ela chorou com força, soltando um: "Santo Deus!". Ele deu um passo para encoraja-la a abraça-lo.

E assim ela fez...O agarrou como se agarrasse a sua própria vida.  E ele certamente é! Thiago é tudo para ela! Dona Marta é tudo para Thiago!

A mãe afundou o rosto no pescoço do filho, e depois tocou no rosto dele, ainda desacreditada que sua criança tinha voltado para casa.

— Meu amado filho! Veio ver mamãe! — disse ela beijando a testa de Thiago.

Thiago percebeu que ele não estava ansioso em voltar para o interior, mas sim pelos braços de sua mãe. Ele não amava o interior por ser o seu interior, ele amava porque é ali que morava sua mãe, é ali que ela estava.

Ele sentiu, no interior do seu ser, a certeza que não tinha nada que ele amasse mais do que aquela senhora.

Não era somente um reencontro de uma mãe e um filho, é um reencontro de dois corações que bombeiam o mesmo sangue.

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