The Place

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• ۵ • ━────「🌼1984🌼」────━ • ۵ •

Eu sempre tive medo de cordas de metais, ouvia muitas histórias por aí, inclusive do meu pai, como seus amigos cortavam dedos pelo metal afiado. Então eu sempre quis ficar no violão, desde criança eu só conhecia esse som, porque a ideia de cortar meus dedos antes de crescer, me apavorava.

Mas, uma vez, em meus passeios de bicicleta eu achei uma pequena loja de instrumentos, tinha doze anos na época e desde sempre fui entusiasta de música, principalmente seus diferentes instrumentos. Naturalmente, quando eu entrei na loja, um vendedor no balcão chamou minha atenção, perguntando se precisava de alguma coisa, e como eu era extremamente tímido, nem hesitei antes de dispensar ajuda, mesmo sabendo que precisava.

E então, antes que eu pudesse ir aos violões ver se o meu ainda era um modelo a venda porque com doze anos eu só tinha dinheiro para ver mesmo, e bem, eu gostava de ver minhas coisas a venda, ainda não entendo bem porquê, mas sabia que se eu estivesse com um amigo iria logo apontar e dizer: "Esse é o meu!", como toda criança gosta de fazer, mas naquele momento, eu procurava a satisfação apenas para mim.

Foi quando eu achei uma garota, na sessão de guitarras - as que eu mais temia - apenas encarando, parada. Fiquei assustado, tinha um medo descomunal de garotas... Elas pareciam tão fortes, nunca pude entender direito o jeito que me fascinavam, apenas passavam tanta confiança em seus olhos afiados.

A situação não parecia boa para mim, as duas coisas que eu mais temia - uma hipérbole talvez - me impedindo de chegar em meu local seguro, a sessão de violões. Pensei em dar a volta e atravessar por outro corredor, quando ela percebeu minha presença e me olhou, tive medo como primeira reação, querendo me esconder, mas ela sorriu em minha direção me deixando tão confuso.

Lembro-me de passar por alguns segundos de pânico antes dela falar comigo, me perguntando o que eu achava das guitarras. Eu, intimidado, disse que as temia, que não queria chegar perto e que o metal era perigoso, e que o nylon machucava. A garota pareceu achar graça de minha fala, como se guitarras fossem tão complexas assim, aposto que foi o que ela pensou, mas para mim, tudo era complexo.

E então ela me perguntou se já havia tocado uma, e se era tão perigosa porque os adultos a manejavam com tanta felicidade em suas músicas. Não sabia como responder aquilo, meu medo irracional fundado em um pequeno argumento foi por terra com aquela simples pergunta, e então parei para refletir sobre, mesmo que ainda me assustasse muito com essa história. Acabei dizendo a ela que mesmo que o quê ela tinha dito fizesse sentido, eu ainda tinha muito medo de cortar meus dedos, e que realmente acontecia. Ela sorriu para mim, parecendo saber que ganharia a argumentação quando abrisse a boca, e de fato ela tinha me convencido quando disse que, apesar de doer um pouco, as melhores coisas vinham de um pouco de esforço. Um pouco de suor e lágrimas.

Nunca mais a vi depois daquela tarde que passamos na loja, comprei apenas um chaveiro com o dinheiro que tinha, uso ele até hoje. Então, na semana seguinte, meu pai e eu fomos até aquela loja e compramos a minha primeira guitarra depois de ouvir atentamente o vendedor empolgado sobre todos os preços e qualidades das guitarras, aquele dia pensei comigo mesmo que no jeito que ele colocava suas palavras, não pareciam metais tão cortantes.

Foi difícil o processo que levou minha cabeça a finalmente não ter um medo irracional do desconhecido, já que agora ele era meu companheiro de quarto junto a meu velho violão. Mas, como eu já sabia desde o início, a garota estava totalmente certa. A primeira vez que eu toquei em uma guitarra, o som era mais que mágico, era de alguma forma transcendente para mim, um garoto que era acostumado com sons fechados e suaves. Aquilo era uma outra forma de encarar o mundo, e com a adolescência chegando, não havia forma melhor. Me sentia invencível enquanto tocava os acordes que sempre saiam de forma ácida e feroz, como se a minha parte rebelde finalmente fosse totalmente compreendida, aquela revolta era finalmente canalizada em algo. Era quase como uma terapia, tenho que dizer.

𝐵𝑒𝓉𝓌𝑒𝑒𝓃 𝒟𝒶𝓎𝓈෴ • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora