A Guerra

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Ausar, que naquele momento comandava os exércitos da fronteira, ficou responsável pela primeira onda atacando os territórios logo após o Rio das Espadas. O reino de Unther estava realmente fragilizado e apresentou pouca resistência nas primeiras batalhas, várias cidades foram facilmente conquistadas. As ordens do novo Faraó eram de não poupar nenhum cidadão untheriano, classificados por ele de hereges e não merecedores de misericórdia. Todos deveriam receber o julgamento de Osíris.

Ausar mesmo discordando dos métodos, seguiu suas ordens. Para ele a morte não era um castigo, mas uma forma de redenção. Pediu, contudo, aos seus subordinados que não torturassem e dessem uma morte digna e sem sofrimento aos seus inimigos. Proibiu o saque e abusos. Dizia a si mesmo que todos estavam recebendo o julgamento de forma justa e indolor.

Justa. Pensou.

 Aquele massacre começou a afetá-lo, Ausar estava acostumado a enfrentar inimigos em batalha onde a vida de ambos estava em risco, mas ali era quase unilateral, havia pouca ou nenhuma resistência. Vilas onde pessoas viviam pacificamente eram queimadas e sua população dizimada. Ele então começou a se perguntar se o seu destino como arauto de Osíris era o de trazer a morte a inocentes, se era somente um carrasco dos deuses.

Cada cidade destruída, cada vida ceifada inocentemente diminuía as convicções de Ausar, colocando sua fé à prova. Idosos, mulheres e crianças, ninguém era poupado de sua lâmina. Os gritos de misericórdia e perdão ecoavam em sua mente. Os pesadelos formados pelos rostos das vítimas se aglomerando em uma maré de sangue, ódio e dor o assombrava todas as noites.

Um certo dia, após a conquista de mais uma cidade, ele parou próximo às margens de um riacho, lavou o rosto e sua espada. Ao se olhar no reflexo da lâmina viu um rosto pálido, cansado e desnutrido, as bochechas fundas, enormes olheiras surgiam dos seus olhos, seus cabelos loiros estavam sujos, gordurosos e manchados com o vermelho do sangue de suas vítimas. Mas o que mais lhe impressionou naquele momento foi a visão de suas asas espectrais, ao abri-las, o que antes eram belas asas brancas e brilhantes, simbolo da glória divina, agora estavam cinzas e opacas, parecendo névoa e com um aspecto fantasmagórico. Olhou para suas mãos e a pele esbranquiçada estava manchada de sangue e sujeira. Ele se sentiu sem vida e seus olhos mostravam um vazio, ele havia se tornado uma casca, um mero instrumento que espalhava dor e desespero.

Os seus inimigos começaram a chamá-lo de Noran, que significava "vazio" na língua dos untherianos. O grande herói Ausar como todos conheciam havia morrido. Ele abraçou aquele novo nome, um nome que representava o que ele havia se transformado. Assim ele se trancou aceitando o seu destino de ceifador, os companheiros de batalha pouco falavam a respeito das mudanças, estavam preocupados com as conquistas. Onde Noran estava, a morte o acompanhava. E a vitória era certa.

3 anos após o início da grande invasão, quase todos territórios do que antes formavam o Grande Império de Unther já estavam sob o domínio de Mulhorand. Com isso o Faraó ordenou que fosse lançada o que foi chamada de Última Campanha com o objetivo de conquistar os últimos redutos da resistência untheriana, a divina-cidade de Urias, centro religioso do império, e a capital imperial Unthalas.

Noran foi encarregado de conquistar Urias. A luta foi sangrenta, os corpos dos soldados inimigos se empilhavam ao seu redor, devido ao contato próximo com os deuses, a magia divina fluía abundantemente naquele lugar e vários arautos, clérigos e magos de Unther se juntaram à batalha.

O conflito estava ainda mais caótico. Golpes de espadas, machados e martelos se misturavam com flechas, bolas de fogo e raios. Gritos de magias sendo conjuradas eram ouvidos de todos os lados. Fileiras de homens caiam inertes sem saber o que lhes havia atingido. Aquele era o momento mais sangrento da guerra.

Noran parecia em êxtase, em sua visão só estavam os seus inimigos, bolas de fogo eram repelidas e raios de energia paravam na lâmina de Maat, pela primeira vez os companheiros ficaram perplexos com a carnificina trazida pela fúria do Celestial. Os gritos de terror daqueles que eram mortos se misturavam com os de selvageria dos golpes do paladino que atingiam e dilaceravam sem dó os seus inimigos.

A batalha parecia não ter fim, mas aos poucos os soldados de Mulhorand avançavam cidade adentro, sempre através da liderança de Noran. Finalmente o grupo chegou até a praça central onde ficava localizada o Grande Templo do Panteão. Vários magos se reuniram em frente ao templo entoando o que parecia um feitiço de grandes proporções. 

Noran então ordena que os soldados avancem e acabem com o ritual antes que se completasse, mas a resistência foi ferrenha, todos os soldados restantes de Unther presentes na cidade se concentraram naquele local. Um brilho carmesim tomou conta de toda a praça e grandes círculos místicos começaram a surgir em todas as direções. 

"Não havia mais tempo", pensou Noran. 

Ele então ergue Maat, banhada em sangue que escorria pegajosamente pelas suas mãos, as asas, agora formadas por espectros escuros que lembravam ossos, surgiram e se abriram em suas costas, um brilho etéreo cor de ébano saia das asas, seus olhos antes de um azul resplandecente, agora eram pretos como um enorme foço vazio, tudo ficou escuro como uma noite sem lua, o desespero tomou conta de todos.

Da escuridão ecoou um grito de puro horror.

"NINGUÉM ESCAPA DA MORTE"

E então, silêncio.

O Filho da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora