|POV GIOVANA|
18h30min de domingo, 25/07;
Passei o resto da tarde no escritório lendo os papéis do caso. É de um jovem que foi acusado desonestamente por homicídio. Mais um daqueles casos que me dão raiva e mostram como nossa justiça é suja. Pego meu celular, minha bolsa e os documentos. Fecho a porta de meu escritório, que fica quase no final do corredor, e guardo a chave na bolsa. Começo a caminhar pelo corredor, observando as salas vazias. A essa hora, com toda certeza, está somente eu aqui. Estou próxima do local onde tive a adorável conversa com a doutora Marina. Seu jeito doce, mas ao mesmo tempo firme, me cativou... Para não dizer que já estou apaixonada. Tenho que deixar de ser tão emocionada. Noto que sua porta está aberta, deixando-me intrigada. Ela ainda está aqui? Dou pequenos passos e observo a mulher de cabeça baixa, lendo alguns documentos. Paro lentamente na sua porta, me escorando na mesma.
- sabe que não é recomendável trabalhar por tanto tempo? - ela levanta a cabeça, largando o papel sob a mesa.
- não sabia que você era médica também. - diz, em um tom de voz frio. Ok, talvez em um tom de grosseria.
- é melhor eu deixar você continuar lendo. - sorrio sem mostrar os dentes, e volto a caminhar pelo corredor imediatamente. Era melhor eu ter passado direto e nem ter conversado. Dou passos largos para sumir daqui.
- Giovana, desculpa. - ouço sua voz atrás de mim, me fazendo parar e virar-me para ela.
- você não precisa pedir desculpas. Eu não deveria ter incomodado. - digo, dando novamente um sorriso tímido.
- você não incomodou. Eu é que fui grossa com você sem necessidade. - ela anda devagar até mim, gesticulando.
- tá tudo bem. - falo, agora soltando um sorriso mais aberto.
- eu estou com um caso de feminicidio... - diz, quando já estamos mais próximas.
- são casos difíceis... - estamos paradas uma de frente para a outra, com mais ou menos um metro nos separando.
- e a dona Jessica pediu-me para ler todo o caso. Acabei ficando enfurnada no escritório a tarde toda. - fala, soltando um sorriso, seguido de uma respiração cansada.
- a Jessica sempre colocando pressão nos outros. Já falei que um dia ela vai matar alguém do cansaço. - dou um sorriso no fim da frase, fazendo o dela tomar forma em seus lábios.
- Jessica? - pergunta, me lançando um olhar curioso.
- ela foi minha mentora ou algo assim.
- então você é uma cria dela? - solta uma risada debochada.
- você falando assim parece que ela é minha mãe. - digo, sorrindo também.
- você é a pupilo dela, então? - fala, me fazendo revirar os olhos.
- eu sou a obra mais perfeita que ela já criou. - digo, convencida.
- você é muito arrogante, sabia? - ela diz, sorri e me lança um olhar descontraído.
- você está me ofendendo. - entro na brincadeira dela, fazendo nós duas sorrirmos.
- desculpa. - diz, agora mais séria.
- não me ofendi de verdade. - respondo, dando-lhe outro sorriso.
- você tem razão, sabia? - fala, começando a dar alguns passos para trás.
- eu gosto de ter razão. Mas pelo que exatamente eu tenho dessa vez? - observo ela andar de costas lentamente.
- não devo trabalhar por tanto tempo, ainda mais em um domingo. - ela já encontra-se mais longe. Faz um sinal para que eu espere e anda até seu escritório. Alguns segundos depois ela aparece carregando sua bolsa e os documentos que lia.
- amanhã eu termino de ler ou mais tarde, com uma taça de vinho. - está novamente em minha frente, carregando um sorriso nos lábios.
- agora quem está certa é você. - balanço a cabeça positivamente, soltando uma piscadela para ela.
- vamos embora daqui. - diz, começando a andar pelo corredor. Acompanho seus passos, ficando ao seu lado. Segundos são necessários para estarmos em frente a porta do elevador. A porta abre-se, dou espaço para que ela entre primeiro e logo em seguida, também entro. O silêncio é é quebrado pelo celular dela que toca.
- com licença. - ela direciona a palavra para mim, que apenas aceno positivamente e sorrio.
- oi, amor. - sua voz é calma, terna e amorosa. Ela passa segundos em silêncio, até que fala novamente;
- sério? - seu tom é de desapontamento. Mais silêncio...
- ok. A gente se fala depois, então. - sua voz é triste, mas talvez o homem no outro lado não tenha percebido.
- beijo...também. - resposta seca para um "te amo". Acho que foi isso, já que é o que dizemos normalmente.
- desculpa. - ela levanta o celular para meu campo de visão, fazendo que eu a olhe.
- capaz. Seu namorado? - isso mesmo, pergunta sua enxerida.
- marido. - responde, e no mesmo instante a porta do elevador abre.
- eu não deveria ter perguntado. Me desculpa. - justifico-me, notando que ela pareceu ter ficado um pouco retraída.
- não, tudo bem. Somos casados há dois anos, mas ele vive viajando. Na verdade, ele foi fazer isso agora. - ela sorri, desapontada com o marido. Fico sem vias de resposta, apenas deixando o silêncio reinar.
- Doutoras... - seu João nos comprimenta.
- seu João. - Marina retribui o gesto e lança um sorriso.
- já está indo? - pergunto, notando que o velho pega seus pertences.
- já passou da minha hora, mas o garoto precisou que eu cobrisse ele. - o garoto de quem fala é Filipe, que faz o turno da noite.
- boa tarde ou noite, Felipe? - digo, chamando a atenção do rapaz.
- para mim é boa noite, doutora. - ele responde, sorrindo.
- então, tenha uma boa noite. - falo, dando ênfase na palavra.
- vocês também, doutoras e seu João. - o jovem é educado, e isso é um reflexo de sua criação. Sua mãe foi cliente minha minha e pude ver como a educação é importante na família.
- quer ir jantar lá em casa? - seu João, que está ao meu, pergunta-me.
- obrigada, mas hoje eu vou deixar. A viagem me matou. - respondo, tocando suavemente o braço do homem.
- sem problemas, minha filha. - é incrível como nosso linguajar muda quando não estamos no trabalho. Vira algo familiar.
- tenham uma boa noite, doutoras. - o velho diz, quando já estamos na parte de fora do prédio.
- o senhor também. - Marina diz, calmamente. Apenas sorrio para o mais velho, que vira-se e segue pela calçada.
- aonde você deixou seu carro? - pergunto, chamando a atenção de Vacchiano.
- no térreo. - responde, enquanto me observa.
- eu também deixei o meu lá. - começo a andar, sendo acompanhada por ela.
- seu João parece ser muito legal. - comenta, enquanto adentramos o térreo do prédio.
- ele é. É incrível, na verdade. - digo, sincera. Andamos mais ou menos dois minutos até chegar no carro de Marina.
- então... Te vejo amanhã, doutora? - pergunto, parando na sua frente e atrás do carro.
- Nos vemos amanhã, doutora. - o seu sorriso é uma das coisas mais lindas que eu já vi. Me perco nele por alguns segundos. Marina tem a mão estendida para mim, esperando que eu a cumprimente. Damos um aperto de mão firme, mas que ao mesmo tempo foi suave.
- boa noite. - solto sua mão.
- boa noite, Giovana. - ela responde, sorrindo tímida. Dou um sorriso também e começo a dar alguns passos para trás. Eu não quero perder contato com os olhos dela por nenhum segundo. É involuntário. Continuo com os passos, até sentir algo pesado bater nas minhas panturrilhas e quase me derrubar. Eu sempre tenho que pagar mico. A lixeira cai, fazendo um barulho ecoar pelo estacionamento vazio.
- caramba! - levanto o objeto, posicionando-o no seu lugar novamente. Viro-me para Marina... Ela está segurando o riso?
- você não vai rir disso. - digo, apontando para ela.
- você tá bem? - tenta soar preocupada, mas sua cara transmite a vontade dela de sorrir.
- estou bem. É melhor eu ir olhando para a frente. - falo sem jeito, dando um sorriso tímido.
- é melhor mesmo, ou vai acabar se matando. - agora sim um sorriso toma forma em seus lábios, me fazendo sorrir também involuntariamente.
Aceno com a mão para ela, dando-lhe um tchau. Ela faz o mesmo e anda até a porta do carro. E eu preciso ir para o meu, certo? Já deu de pagar mico.
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Advogadas
FanfictionNa porta de um elevador, duas mulheres cruzam seus caminhos. Trabalhando no mesmo lugar, é impossível que as advogadas não questionem seus próprios sentimentos.