A noite

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As noites eram perigosas.

Deixavam brechas para os piores comportamentos de ambos.

Rússia sabia disso mais do que ninguém.

Ela era perigosa quando um dos dois estava com raiva e trazia uma mágoa antiga á tona repentinamente, era perigosa quando Rússia bebia mais do que deveria para afogar os próprios arrependimentos, era perigosa quando América decidia não voltar para casa após uma festa um pouco mais agitada do que deveria, era perigosa quando um dos dois tinha pesadelos sobre o passado.

Porém, acima disso tudo, a noite era temida quando América tinha uma recaída.
Tão bom quanto a luz do sol batendo em seus rostos e aquecendo sua pele durante um passeio ao parque ou as pequenas conversas agradáveis que tinham durante uma troca de beijos no sofá. O eslavo não conseguia se preocupar menos com a realidade que tinham agora, com aquela pequena balança que media todos os seus passos e o fazia entender que, quando o dia fosse bom, mais do que o normal, eles provavelmente teriam uma péssima noite pela frente.

E Rússia passou a não dormir em preparação ao que viria.

Começava aos poucos, primeiro vinha a perda de apetite, a pressão no peito, o temor de jantar e não conseguir manter tudo para dentro. Para alguém que mantinha um recorde na competição de comer hambúrguer, não sentir fome era algo preocupante, e Rússia costumava insistir para que comesse pelo menos um pouco, até que percebeu que isso apenas piorava tudo.

O americano perderia aquela aura exuberante, fugindo lentamente da cama e se encolhendo no sofá, agarrava um dos casacos do eslavo e fingia assistir a tv, parecendo prever o que aconteceria. Rússia abriria os olhos após sua saída, apertando as mãos no travesseiro, sem saber o que fazer além de esperar, seguindo-o minutos depois para verificar se tudo ficaria bem, se sentando ao seu lado devagar, esperando que América reconhecesse sua presença para só então puxá-lo para perto, fazendo carinhos esporádicos nas coxas e nos pés, às vezes subindo até às costas dele, observando de soslaio suas reações.

E então, tão de repente como uma chuva torrencial, América se encolhereria dentro de seu casulo, tremores violentos cruzando seu corpo e assustando o mais novo, seus batimentos aumentavam rapidamente e ele tinha que apertar os olhos para conter as lágrimas, arfando pesadamente para tentar puxar algum oxigênio, o suor frio escorrendo por sua testa enquanto sua mente parecia afundar em mil e um questionamentos, mas o principal deles sempre seria: eu vou morrer hoje?

Nas primeiras vezes, a dor no peito o fez pensar que sim, que aquele seria seu fim, uma morte lenta e dolorosa para compensar toda a dor e os problemas que havia causado aos outros - América achava justo -, seria levado para o hospital e dormiria no consultório de OMS após ser dopado com doses e doses de remédios, tentaria em vão esconder as marcas que fazia em si mesmo durante as crises, e mais tarde seria carregado para casa por um de seus irmãos. O dia seguinte seria uma mistura amarga de perguntas constrangedoras e olhares de pena, enquanto Canadá tentaria melhorar seu ânimo com alguma comida caseira, América se comportaria bem para não preocupá-los ainda mais, faria algumas sessões de terapia inútil até acreditar que realmente estava melhorando, para dias depois, repetir tudo novamente.

Atualmente, ele e Rússia tinham construído sua própria rotina, não muito saudável mas funcionava para eles. Sem saídas ao hospital, sem perguntas, apenas algumas gotas do remédio que já era prescrito e um longo e tortuoso tempo de espera. Muitas vezes, Rússia o puxaria para seu colo e começaria um carinho em seu cabelo, ignorando os tremores ocasionais que faziam o estadunidense esconder o rosto, envergonhado por não poder se controlar, mesmo que as palavras do russo fossem sempre de apoio e carinho, América simplesmente não conseguia olhar para cima e encarar a preocupação nos olhos alheios. Não, ele preferia se esconder na curva do pescoço dele, respirando o perfume amadeirado que ele usava todos os dias, agarrando a camisa sob seus dedos, tentando focar apenas nele enquanto esperava a crise acabar.

Por fim, seria Rússia quem se levantaria do sofá, o corpo do americano adormecido em seus braços, as marcas das lágrimas ainda no rosto moreno durante o trajeto até o quarto, ele deitaria ambos na cama, tomando seu próprio tempo para se esticar, respirar fundo e agradecer por tudo ter acabado bem mais uma vez, controlando seu medo irracional da perda uma vez que tinha o outro ainda ali. Daria um último beijo na testa do americano, passando o braço por sua cintura enquanto lentamente caía nos braços de Morpheu, desejando que a noite seguinte fosse melhor do que esta.

Xxx ♡ xxX

Eu só precisava escrever algum angst agora, obrigada para quem não desistiu de ler essa história 💕

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