Ela me olha com seus olhos arregalados, esperando por uma resposta.
Porém não sei como lhe contar, e mesmo se quisesse, não sei se conseguiria.
Ava é uma boa pessoa, mas não acho uma boa ideia explicar-lhe todos os meus problemas.
- E então? – ela pergunta novamente. – Vai me contar ou me fez vir aqui à toa?
Talvez valha a pena contar. Todos os psiquiatras em que passei insistiram fielmente que eu deveria encontrar alguém, além deles, para conversar. Porém com quem conversaria? Meu pai? Minha mãe?
- Antes de qualquer coisa, quero que entenda que não sou ingrato, apenas – hesito – um tanto infeliz.
Ava assente, quem sabe ela entenda.
- Desde pequeno tive que aguentar meus pais discutindo na cozinha enquanto estava no quarto. Sei que isso pode ser normal, porém meu pai acho que estava apenas tentando me proteger. – Ava franze a testa, como se não entendesse o porquê – Meus pais tinham uma vida boa, porém, um dia, minha mãe chegou em casa um pouco diferente do que o normal. Não demorou para o meu pai perceber que ela estava se drogando. – Respiro fundo, quando conto tudo em voz alta parece que as memórias não eram apenas sonhos ruins, e sim reais. Não gosto dessa sensação, porém continuo: - No dia seguinte, eles conversaram e ela prometeu que iria parar, que foi apenas uma vez e nada mais. Meses se passaram até que aconteceu de novo, e de novo, e de novo. Meu pai não sabia o que fazer, estava perdendo a paciência, não aguentava mais ser casado com uma mulher viciada. Eles tentaram reabilitação, tentaram de tudo. Até que, um dia, quando ele achou que os tratamentos estavam funcionando, ele viu ela me subornando para falar com um traficante e pegar mais para ela. Foi o fim para ele. Ele disse o que há tantos meses guardava. Eles discutiram aquele dia como nunca tinham feito. Fui dormir, achando que de manhã tudo teria melhorado, porém, quando acordei, ao lado da minha cama havia um bilhete. Um bilhete dela. Dizendo que me amava muito e que um dia ia melhorar e me buscar. Procurei meu pai na cozinha. Ele estava lá. Com uma garrafa de whisky na mão e outras três quebradas no chão, como se ele tivesse jogado tudo lá para descontar o ódio. Seus olhos estavam vermelhos de raiva e de nojo. Tentei andar até ele, porém o chão estava cheio de cacos de vidro. Para falar a verdade, estava uma bagunça, a parede com um buraco, que anos depois descobri que ele fez aquele defeito na parede por puro ódio. Além disso, tudo estava jogado no chão, panelas, flores, talheres. Aquilo foi o primeiro sinal de sua decadência. E eu... - Fecho os olhos, tentando tirar as imagens da minha cabeça. – Eu tinha apenas 5 anos.
Ela me encara.
Me olha como se pudesse ver minha alma, como se pudesse enxergar essa lembrança com seus próprios olhos.
Seus olhos me passam conforto.
Seus olhos grandes e azuis falam que tudo vai ficar bem, como se ela realmente me entendesse.
Silêncio.
Minutos de silêncio.
- Só tem uma coisa que não entendi – Ava quebra esse silencio amedrontador – por que caos eu te chamaria de ingrato?
Hesito um pouco. Sei que já contei quase a história inteira para ela, mas a cada coisa que eu falo é como se eu levasse uma facada no peito, e nada pudesse impedir essa dor de ficar.
- Bom, conforme os anos foram passando, meu pai se recuperou. Suas olheiras sumiram, seu bafo de bebida também. – Olho em seus olhos e eles me transmitem um conforto repentino - Pelo menos era o que eu achava. Ele conseguiu dinheiro, só Deus sabe de onde, e preparou um futuro para mim. Pagou aulas particulares para as matérias que eu não entendia. Comprou uma casa linda. Usou seu dinheiro em tudo, como ele diz, para me agradar. – Ela assente, compreendendo o que digo. – No começo dessa semana recebemos uma carta. – Respiro fundo – Uma carta de minha mãe. Implorando a ele para me encontrar. E esse foi seu gatilho. Ele, desde então, voltou a beber. Voltou a ser agressivo, tanto em palavras, como em atitudes. Hoje descobri que todo aquele dinheiro veio de apostas em jogos, ou seja, poderíamos ter perdido tudo. Então acabei gritando com ele, sei que não deveria, mas gritei. E ele gritou de volta. Eu amo meu pai, sou extremamente grato por tudo que ele fez e faz por mim. Mas as vezes sinto como se eu estivesse cuidando de uma criança. – Me levanto e começo a ficar irritado. Isso tudo é demais para mim, não posso lidar mais com isso, simplesmente não aguento. Depois de anos com as coisas se curando, de repente tudo volta a ser da mesma forma. Como se eu estivesse vivendo na porcaria de um looping – Ele que deveria cuidar de mim. - Perco a cabeça. – Eu cresci sem ela. Eu não deveria ser a babá de um ADULTO – ironizo esta última palavra – Porra, eu só tenho dezessete ano. – Minhas pernas falham. Me sento no chão, joelhos encostando no peito e mãos puxando os cabelos. Só percebo que estou chorando quando sinto as lágrimas roçarem minhas bochechas.
Ela corre em minha direção, agacha e me abraça. Seus braços envolvem meu pescoço e seus dedos percorrem meus cabelos, os acariciando. Me sinto completamente seguro envolto por seus braços, e por um momento esqueço o porquê estou chorando.
- Eu só tenho dezessete anos – me ouço murmurar. Ela me aperta.
-Eu sei, meu amor. Eu sei. – Ava se senta em meu colo, e continua me abraçando.
Ficamos alguns minutos nessa posição, até ela afastar o rosto e dizer:
- E eu sei também que as vezes as coisas podem ser difíceis, sei mesmo. Porém sempre que você precisar vou estar aqui. Até se você quiser que eu vá contigo encontrar sua mãe, eu vou. – Ela sorri. Um sorriso triste – Vou sempre te ajudar, ok?
Sorrio.
Não sei como, e nem por quê, talvez seja por conta da forma que ela me faz sentir, a forma como ela afirma que tudo vai ficar bem apenas com um olhar, mas a puxo para mais perto, nossos olhos ficam tão perto que sinto como se nossos cílios fossem guerrear apenas por estarem tão próximos.
Nossos narizes roçam e, finalmente,
eu a beijo.
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Hoje foi pelo ponto de vida do Ben.
Espero que tenham gostado!!!
Obrigada por terem lido até aqui <3
continuo ou não?
obs: desculpe se tem algum erro de digitação/português, estou tentando aperfeiçoar minhas escrita!
;)
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salvação ou destruição?
DragosteO que acontece quando duas pessoas intensas e quebradas se encontram? Ava passou por um ano traumático e está tentando se superar, sua mãe vive pegando em seu pé por conta das noites mal dormidas e das das tardes furando aula. Ben, mesmo tendo de t...