CAPITULO 3

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Perdi o contato com o gostosão do avião depois do desembarque. Ele passou direto na imigração, enquanto, eu e a Lívia, ficamos na fila quilométrica.
As coisas são mais fáceis, quando você tem carta de emprego e visto de empregado. Assim, passamos e fomos em direção à esteira das malas, para pegar a nossa bagagem.
Paguei por um carrinho, pois tínhamos duas malas enormes, onde, milagrosamente, consegui colocar todas as nossas coisas. Liv dava sinais de esgotamento. Encostada na minha coxa, vi quando ela acenou para alguém, do outro lado da esteira.
Era ele, que sorria, fraternalmente, para ela. Nossos olhares se cruzaram e borboletas tomaram conta do meu estômago. O cara era de parar o trânsito, e me encarava como se quisesse me comer com os olhos. Desviei o olhar quando a Lívia me pediu seu caderno de desenho, e sentou para desenhar algo.
As malas começaram a rodar. Vi o gostosão pegando uma mala pequena preta e se encaminhando para a saída. Nisso, Lívia saiu em direção a ele, e tive que correr atrás dela.
- Tio, tio, pera aí!
Ele parou e ela entregou o papel a ele. Achei fofo ela fazer um desenho para ele. Ela sempre presenteava as pessoas com seus desenhos. Percebi que ele riu, gelei com o que a danada poderia ter feito.
Então vi que era um papel com as vogais escritas. Olhei para ela.
- São as vogais, mamãe, para ele aprender a escrever também.
Então, ele me olha, e minha calcinha pinga.
- Você precisa de uma carona?
- Não, obrigada, minha prima deve estar me esperando.
- Então, espero te encontrar por ai, Clarissa, e boa sorte em Detroit.
- Obrigada.
Voltamos, e depois de duas hérnias de disco novas, por levantar as malas, estamos na parte de fora e logo avisto minha prima Juliana, com um cartaz escrito "PRIMA GOSTOSA".
Liv sai correndo de encontro a ela e, na minha esquerda, vejo o gostoso entrando na parte de trás de um carrão preto. Humm, motorista. Espero que ele não tenha percebido o cartaz, mas lógico que minha vida não seria tão simples. Juliana me abraça e diz:
- Prima, você perdeu um homem gostoso que saiu agora há pouco, ele morreu de rir quando leu seu cartaz.
- Eu imagino. Bom te ver, Ju.
- Seja bem vinda.
No caminho ela foi me mostrando a cidade, que seria meu novo lar. Contei a ela do gostosão do avião e toda a vergonha que a Liv me fez passar, rimos de chorar.
Detroit fica no estado de Michigan, e vive praticamente da indústria automobilística. É cercada por lagos e faz divisa com o Canadá. Passou por uma recessão econômica, devido à concorrência japonesa aos carros americanos e, desde então, a sua população caiu muito.
A cidade chegou a pedir falência ao governo americano, pois se viu endividada. Devido a isso, o governo estimula a entrada de estrangeiros e capital para reerguer a cidade, e é nisso que estou apostando.
O índice de violência é alto, para os padrões americanos, mas, para quem viveu em São Paulo, acredito que vamos tirar de letra.
-Cla, andei pensando e acho que em vez de você procurar um apartamento, ou casa, para vocês, a gente podia juntar nossas bonificações e pegar uma casinha legal, no que os americanos chamam de subúrbio. São bairros mais isolados, e com melhor segurança.
- É, pode ser uma boa ideia.
- E assim, a gente não se sente tão sozinha.
- Vamos fazer isso sim, Ju.
Olhando pela janela, achei Detroit linda. Meu peito se encheu de esperança de um futuro melhor, para mim e para minha filha. E olhando aquela cidade enorme, não pude deixar de pensar que, provavelmente, nunca mais iria ver o gostosão do avião.
Chegamos ao apartamento que a Ju estava morando. Como hoje era domingo, tiraríamos o dia para descansar e ver casas na internet.
Ainda teria duas semanas, antes de iniciar as aulas e meu emprego, mas os dias passaram voando. Encontramos uma casa deliciosa em Lake Orion, é uma cidadezinha perto de Detroit, e como tudo é meio junto, é como se morasse em um bairro afastado, e é famosa pela qualidade de vida. Tem escola perto, shopping e muito lazer. Me apaixonei no ato.
A casa tinha dois andares, um pequeno quintal e quatro quartos. Um meu, outro da Liv, outro da Ju e um de hóspedes.
Nos mudamos na semana seguinte à minha chegada. A casa era mobiliada, o que facilitou, só comprei o quarto da Lívia, porque, se ela não tivesse um quarto das princesas, provavelmente me mataria na calada da noite.
Nossa nova rotina começaria na segunda, porém recebi um e-mail da empresa, dizendo que um dos diretores gerais estaria na cidade na sexta, e eles apreciariam se eu comparecesse à reunião onde os novos funcionários seriam apresentados.
Quando sua empresa diz que gostaria da sua presença, quer dizer, apareça se tem amor pelo seu emprego.
Não tinha ideia do que faria com a Lívia, porém a Ju disse que tinha conversado com a secretária do andar abaixo do seu, e ela tinha se oferecido para olhá-la no período da reunião.
Aproveitei para me arrumar à altura. Estávamos no verão, então escolhi uma saia preta, na altura do joelho, que mostrava minhas curvas sem ofender, uma camisa vinho de mangas curtas, com detalhes na gola e meu saltão. Maquiagem leve, porém presente, cabelo semi- preso, leve perfume e muita coragem na cara. Coloquei um vestidinho de verão na minha princesa, e. Ela pegou uma mochila com coisas para se manter distraída.
Já tinha dado todas as orientações do mundo, e estava impressionada com a capacidade dela de adaptação. Ela adorava conversar com todo mundo, mesmo não entendendo o inglês, ela se expressava e se fazia entender. Ela era uma menina especial mesmo.
Chegamos à sede da empresa, que ficava no centro financeiro da cidade. Um edifício enorme, e que é cartão postal da cidade.
Deixei ela com a Ruth, que graças a Deus arranhava um espanhol, e assim me deixou tranquila sobre cuidar da Lívia.
A sala de reunião ficava no último andar, todo em vidro, do edifício. No septuagésimo terceiro andar, podíamos ver toda a cidade e os lagos ao redor.
A reunião foi, basicamente, de apresentação mesmo, o presidente geral passou as metas do ano e deu boas vindas a todos. Havia pessoas do mundo todo. Descobri mais dois brasileiros, alem de mim e da Ju, que trabalhavam na área de designer, e me contaram que foram convidados por um dos diretores, que não estava presente.
Eles pediram dicas de moradia e falamos do nosso bairro, e combinamos de jantar juntos, lá em casa, para eles conheceram a região. Brasileiro é assim, quando se encontra já se junta.
A reunião já durava mais de duas horas, e estava aflita com a Liv, alguns andares abaixo. Mas, antes de voltar lá, o diretor fez questão de fazer um tour pelo edifício, e mostrar onde cada um de nós trabalharíamos.
Meu setor ficava no trigésimo quinto andar, e tinha uma equipe de marketing, incluindo pessoas responsáveis de cada área, pesquisa de mercado, marketing digital e tudo o mais. Fiquei extremamente satisfeita, sempre adorei trabalhar em equipe. A minha área de atuação era na gestão de vendas, e não via a hora de começar.
Quando cheguei ao andar da Ruth, estranhei ela estar sentada à sua mesa, aparentemente trabalhando.
- Olá Ruth, desculpe a demora. A reunião se estendeu mais do que eu achei que seria.
- Sem problemas, Senhorita Moreira, meu chefe chegou há algumas horas, e eles estão no escritório.
Depois disso, tudo aconteceu como em um sonho, ou melhor, pesadelo,
A porta do escritório se escancarou e dele saiu minha filhota correndo, muito alegre e gritando:
- MAMÃE, MAMÃE, OLHA SÓ QUEM EU ENCONTREI, O GOSTOSÃO DO AVIÃO!!!
Olhei por cima dela e, encostado na porta, estava o meu sonho molhado desde aquele bendito voo.

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