Oito

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- Então, eles continuam brigando?

- É o que parece - dou de ombros, sem me interessar muito em falar da vida amorosa do meu pai e da minha mãe. - Você gostaria de ver os seus pais brigando? - eu olho irritada pra ela, mas ela apenas dá de ombros e olha para o seu bloco de notas, depois para mim.

- O que tem acontecido de interessante, Cassie? - Hellen pergunta encostando levemente a ponta da sua caneta no queixo.

- Já... - clareio a garganta mexendo meus dedos de forma nervosa. - Já te disse que não gosto quando me chamam de Cassie.

- Alguém te chamou de Cassie depois da nossa última sessão? - sua voz de analista soa nos meus ouvidos e, automaticamente, Liam se materializa na minha mente, dando aquele sorriso destruidor e apoiando o queixo na mão, da forma mais insuportavelmente fofa.

- Liam - falo involuntariamente. Posso ver pelo canto dos olhos as sobrancelhas da Dra. Poulet se arqueando.

- Liam? Esse é novo... - murmura e anota algo no seu bloquinho, depois deixa seu óculos deslizar para a ponta do seu nariz e volta a me encarar. - Quem é o rapaz?

- Ele é só... é só um garoto da escola - digo, me mexendo na poltrona desconfortavelmente. - Na verdade, é o capitão do time da escola.

- Hm... - e a loira oxigenada anota mais alguma coisa. - E ele é como o Patrick?

- Não! - exclamo, mas exasperada do que eu gostaria de demonstrar. - Oh... O que eu quero dizer, é que o Liam definitivamente não é como o Patrick.

- Ele não é, ou você não quer que ele seja? - ela pergunta e eu a olho um pouco assustada, mas ela apenas arqueia um pouco mais as sobrancelhas. - Ou você quer que ele seja muito mais do que o Patrick foi?

Paraliso. Eu quero? Não! Eu não posso. Não posso me magoar mais, não posso deixar o Liam ser mais um motivo pra eu me destruir, não posso deixar meu coração se destruir de vez. Não quero que o Liam seja nada meu e não quero ser nada para o Liam, não quero pensar em algo impossível. Não quero.

- Não, o Liam não significa nada para mim - falo, tentando manter a voz firme. Hellen respira fundo, balança a cabeça e anota alguma merda no bloco de notas. - O que foi?

- Simplesmente não entendo! - ela diz um pouco desapontada. Eu a olho confusa. - Não entendo porquê vocês, jovens, fogem tanto do amor. Do que você está com medo?!

- De dessa vez não restar mais nada do meu coração - abaixo a cabeça sentindo um aperto no peito.

- Claryssa, se você tiver que quebrar o coração, você vai quebrar! Não importa se for agora, ou mais tarde, o que não dá é tentar sempre fugir disso! - Dra. Poulet joga o seu bloquinho no sofá do lado e se vira para mim. - Não vai ser a primeira, nem a última vez que você vai se apaixonar por alguém, menina, você ainda tem muita vida pela frente. Ficar presa nessa sua bolha não vai te livrar de todos esses sentimentos.

Respiro fundo e tiro meu celular do bolso, vejo as horas e depois levanto a cabeça para olhar no fundo dos olhos da minha analista e dizer da forma mais calma possível:

- Te vejo na próxima semana.

Hellen me olha perplexa, provavelmente por depois de tudo que ela me falou, eu continuar assim. Mas esse é meu plano e não vou deixar ninguém estourar a minha bolha. Se eu ficar aqui, sei que tudo vai ficar bem. Tudo está bem?, meu subconsciente pergunta de forma irônica.

- Adeus, Claryssa.

Mamãe saiu com algumas amigas. Deve ter ido em algum chá das quatro, ou algo assim. Papai diz estar no Japão, mas não tenho a mínima ideia de onde, ou com quem. Estou sozinha, mais uma vez. E eu não ligo, ficar sozinha é reconfortante, não fico vermelha de vergonha em nenhum momento e posso ser eu mesma, sem regras, sem julgamento, sou só eu e eu.

Desço as escadas calmamente com o meu fone de ouvido e celular na mão, boto o fone na orelha e começo a escutar Love Me Like You Do da Ellie Goulding no volume máximo. Vou até a sala e checo se todos os livros de que vou precisar estão aqui, caneta, caderno, tudo no seu devido lugar.

Então, o som da campainha soa pela casa. Vou saltitando até a porta e abro a mesma sorrindo, encaro o garoto dos olhos azuis esverdeados por trás daqueles óculos de grau, as covinhas em cada lado da bochecha, enfeitando aquele sorriso dos Deuses. Definitivamente um dos melhores sorrisos.

- Oi, Harry - digo sorrindo.

- Olá, Claryssa - fala corando e ajeita os óculos e os livros nos seus braços. - Já está pronta? Quero dizer, pra estudar... estudar física, hm...

- Sim - dou uma risadinha com seu jeito desengonçado. O quê mais gosto no Harry é isso: ele cora mais do que eu, consegue gaguejar mais do que eu, se sente envergonhado de segundo em segundo e não deixa ninguém sem graça. O tempo ao seu lado passa correndo. - Entre.

Abro mais a porta e Harry entra com receio. Acabo deixando um sorriso escapar por isso, mas balanço a cabeça e fecho a porta. Acompanho ele até a sala, ele chega com uma timidez de outro mundo, pior do que eu e olha que eu nem falei nada com ele até agora. É reconfortante ter alguém mais sem graça que você por perto.

- Já... hum... já está tudo aqui? - Harry gagueja e eu o olho, apenas assinto com a cabeça. - Então... vamos lá.

Então, Harry espalhou seus livros pela grande mesinha de centro, como ele faz todas terças e sextas, ajeitou o óculos no nariz, soltou um pigarro e abriu o caderno. Depois de uma hora e meia estudando física quântica, meu cérebro não aguentava mais tanta informação, enquanto Harry parecia se adaptar bem a ideia de passar mais uma hora e meia só falando disso.

- Você quer comer alguma coisa? - pergunto fechando o meu caderno.

- Hum... não estou com fome - diz, do mesmo jeito desengonçado de antes. Se eu conheço um pouco a pessoa, ou pelo menos passo algum tempo com ela, minha vergonha passa a cada minuto, mas Harry não é assim. Acho que podíamos dormir juntos e a vergonha dele continuaria como está agora.

- Bom, eu estou morrendo de fome, preciso me alimentar - digo, sorrindo um pouco. - Vou fazer um sanduíche pra mim, tem certeza que não quer nada?

- Eu estou bem - sorri de forma meiga, uma forma que me faz sorrir também. Assinto e me viro, caminho até a cozinha e pego pão, requeijão, queijo e presunto, junto tudo e despejo um pouco de suco de laranja em um copo, então volto pra sala com tudo na mão. - Olha, acho que já vou embora.

- Já? Eu pensei que nós íamos estudar mais um pouco - digo, um pouco desapontada. Mordo um pedaço do pão e olho para Harry, enquanto mastigo ele dá uma risadinha. - O quê foi?

- Você sujou o canto da sua boca com... hum... requeijão, eu acho... - Harry fala sorrindo e eu dou uma risadinha baixa, então limpo a minha boca. - Eu ganhei um carro.

- Sério? Nossa, que maneiro! - exclamo divertida.

- É, mas é só um Sedan de segunda mão - Harry dá de ombros.

- Mesmo assim, é o seu carro! - sorrio entusiasmada. Harry sorri também, exibindo as covinhas.

- Se você quiser, posso te dar carona até o colégio amanhã - diz, corando furiosamente. Dou uma risadinha e bebo um pouco de suco.

- Eu vou adorar, Harry - digo, sorrindo.

- Então... hum... nós nos vemos amanhã.

Então, ele caminha até a porta, abre a mesma e sai. E eu continuo aqui, em pé no meio da sala de estar, comendo pão com requeijão, queijo e presunto e bebendo suco de laranja.

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