Vinte e Três

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Eu sou uma pessoa difícil de entender, consigo admitir isso. Eu gosto de dormir sozinha, gosto de comer sozinha, gosto de ler sozinha. Prefiro viajar sozinha e não vejo problema nenhum em ir andando pra casa sozinha. Mas quando eu vejo uma mãe com sua filha, uma garota com seu namorado, ou dois amigos rindo e brincando juntos, isso não parece mais ser o suficiente. Eu gosto de ficar sozinha, mas não gosto da ideia de não ter ninguém.

E no momento, tudo que eu pareço ter é uma imensidão de nada. Vazio. Um estrago tão forte feito na minha cabeça e no meu coração, que mesmo quando eu estou cercada por milhares de pessoas, consigo me sentir sozinha.

E que saudade. Que saudade de quando eu era apenas uma criança e conseguia ter mais de um amigo. Quando eu me sentia bem até sem roupa nenhuma e não tinha vontade de ficar cortando a minha própria pele. Eu sei que isso é errado, eu sei que se eu fosse uma mãe e tivesse uma filha desse jeito, meu coração encolheria e sumia de tanta dor que iria sentir, mas não dá. Não dá mesmo. De repente eu me olho e meus pulsos já estão cortados. Ou uma lâmina aparece de repente entre os meus dedos. Às vezes a dor nem me deixa lembrar do porquê daquilo. Mas ela está lá, a lâmina, eu digo. Está lá brilhando como uma estrela, querendo reencontrar sua velha amiga cheia de cicatrizes; minha pele.

E então acontece. Um. Dois. Três cortes. E sangue pingando no chão. E sangue manchando minhas roupas. E o meu sangue saindo de mim sem querer, apenas escorrendo sem rumo, sem saber como conseguiu sair.

Por eu sempre ficar doente, por não me alimentar bem e etc, eu tenho um médico particular. Uma das poucas pessoas que sabem disso, um número pequeno de pessoas que já está ficando grande demais. Antes eu tentava esconder mais, só que com o tempo, e desconfio que, com o costume, eu não ligue tanto. É como se já fizesse parte de mim, e bom, na verdade já faz. Só que o que eu quero dizer, é que eu não ligo mais em usar várias pulseiras só para esconder, eu as uso, na maioria das vezes, porquê eu gosto, assim como os moletons. Uso alguns até mesmo quando está calor, mesmo que eu arregace a manga, ainda assim visto um moletom. Jenner já viu meu pulso uma vez, quando eu arregacei a manga pelo fato de estar muito calor, então eu simplesmente esqueci e fiz. E ela olhou. Não disse nada, apenas olhou por um tempo, virou a cara e continuou falando de um garoto que já falava antes.

Eu não sei se o meu pai sabe. Bom, ele nunca viu, mas não sei se mamãe contou pra ele no meio de uma de suas discussões para jogar na cara dele o quanto eu preciso da atenção que ele não me dá. Papai nunca foi realmente um pai. Nunca faltou alimentos para mim ou minha mãe, nem roupa, nem economizou quando foi escolher um bom colégio pra mim, nem em quando me deu alguma viagem de presente. Mas sabe, ele nunca foi... pai. Não daquele de me perguntar o motivo do meu choro, ou se eu já tenho algum namoradinho, ou segurar minha mão na hora de atravessar a rua. Ele nunca me pediu pra sentar no colo dele e olhar nos seus olhos, nunca me levou do sofá para a cama, nunca fez questão de assistir algum filme comigo, ou saber meu gosto musical. Eu poderia ser uma dessas adolescentes rebeldes que saem de casa depois do almoço e só voltam na hora do café da manhã do dia seguinte. Poderia usar drogas e namorar badboys, ele não está nem aí. Se isso não interferir na carreira dele, está tudo bem.

Ninguém liga. Não importa. Se tudo estiver bem, nos conceitos de cada um, não interessa se eu estou mal, se o meu coração está partido, ou se eu me corto durante a madrugada. As pessoas acham que me ajudam quando dizem; pare de se cortar. Eu posso dizer não, e elas agem como se elas pensassem que pelo menos tentaram. Se eu não aceitei ajuda, tudo bem, eu posso morrer por isso, a culpa vai ser minha.

- As coisas nem sempre são fáceis. - uma voz sussurra.

- Quem disse isso? Você não sabe de nada! - grito. Não sou de ficar gritando por aí, mas essa voz me assustou. Na verdade, eu nem sei aonde estou. É um lugar escuro, que não parece ter ninguém, só escuto barulho de gotas pingando não muito longe.

BrokenOnde histórias criam vida. Descubra agora