Dezesseis

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Entro na sua sala, vou direto para a poltrona giratória, uma preta que eu adoro. Ela é grande e acolhedora, sempre me faz ficar confortável. Gosto de coisas que me fazem ficar confortável. Hellen fecha a porta e caminha até a cadeira na minha frente, ela senta na mesma, ajeita seus óculos no rosto, pega o bloquinho branco e uma caneta, e me olha.

- Como tem sido a sua semana? - pergunta, com uma voz suave.

- Até agora, a melhor que eu me lembre - sorrio, olhando para os meus dedos.

- Então, temos novidades, conte-me sobre isso - ela sorri repousando as suas mãos com o bloquinho e a caneta no seu colo.

- Bom, hum... - olho para ela, mas acabo desviando o olhar logo em seguida. Mordo o lábio tentando conter um sorriso. - Liam me beijou.

- Uau... - Hellen arregala os olhos surpresa. - E como foi isso?

- Foi logo depois de um grupo de garotas jogar ovo e mel em mim - olho para o lado. Me lembro de como eu cheguei em casa fedendo a ovo e mel, e em como foi fácil me esquecer disso quando eu encontrei aquele vestido. - Ah, eu ganhei um vestido também.

- Do Liam?

- Não, na verdade eu não sei - olho para o lado, dando de ombros. - Veio com um bilhete anônimo, só botou a inicial. P.

- Ah sim... como você se sentiu quando jogaram ovo e mel em você? - Hellen me analisa com o olhar. Respiro fundo.

- Como eu sempre me sinto quando me corto... elas não têm noção o quanto isso me machuca - engulo em seco.

- E quando você ganhou o vestido?

- Foi totalmente o oposto, acho que... eu não sei, mas quando provei aquele vestido, eu me senti bonita.

- Você deveria se sentir assim mais vezes - Hellen sugere, inclinando a cabeça pro lado. Às vezes me pergunto se ela realmente se importa comigo, ou se só está apenas fazendo o seu trabalho. - Então, e os seus pais?

Depois da sessão, eu vou para a casa. Sei que esse final de semana não vai ter nada demais, como todos os outros. Liam não falou mais comigo, não é como eu esperasse que ele falasse, mas eu tinha alguma esperança disso acontecer. Meu coração se enche de alegria quando penso na possibilidade de existir um 'nós', quando penso que ele pode, realmente, estar começando a se preocupar comigo. Mas logo depois, sinto-o quebrando aos poucos enquanto volto para a realidade, a realidade que Liam pertence à um lugar e eu à outro, duas pessoas com destinos diferentes, com vidas diferentes. Acho que nem se quiséssemos, iríamos dar certo.

Eu passo todo o meu final de semana em casa. Meu pai viaja novamente, eu e minha mãe não saímos. Isso é deprimente, eu tenho que concordar, mas já é um costume pra mim. Eu não tenho certeza se é pra ela. Minha mãe não deveria passar um final de semana todo em casa, ela é linda, ainda é jovem, ela podia aproveitar a vida da melhor forma. A pergunta sobre o por quê ela ainda está com o meu pai ronda a minha cabeça, então, eu lembro daquele olhar. Ela ama ele. Nenhuma novidade, é que é difícil às vezes lembrar disso quando eu mal vejo eles se tocando. Isso deve ser doloroso pra ela.

Não consigo imaginar o meu futuro. Não consigo me ver nem na faculdade. Não me vejo casando, tendo filhos, sendo amada por alguém. É que é impossível imaginar alguém se apaixonando pelo meu sorriso, adorando o meu corpo, beijando as minhas cicatrizes ou algo do tipo. Ainda está pra nascer a pessoa que vai conseguir aturar a minha depressão, a minha confusão de sentimentos, o meu humor oscilante. As pessoas são más e complicadas, ninguém iria me querer do jeito que eu sou, ninguém iria me aceitar. Todo mundo já tem problemas demais, eu não valho a pena, sou um peso morto. Acho que o máximo que consigo ver o meu futuro é eu sentada em uma cadeira de balanço com alguns gatos envolta de mim. Na verdade, não consigo imaginar os gatos.

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